em 22/02/2004 por Hugo Montarroyos
Ontem cheguei a conclusão mais óbvia do mundo, mas mesmo sendo tão evidente, acho que vale o registro. Não existe no mundo público igual ao pernambucano. A galera aceita na boa qualquer estilo, seja regional, jazz, funk, hardcore. Não vaia nunca. Se não curte determinada atração, o povo limita-se a se sentar para esperar que outro ritmo transborde pelo palco do Caís da Alfândega. Isso tem conquistado a simpatia de todos os “forasteiros” que passaram pelo Recbeat 2004.
Enfim, depois da pilha que foi a noite de sábado, ontem as coisas correram de forma mais tranqüila. Infelizmente chegamos atrasados e perdemos os shows da União 7 Flexas de Goiana e da paraibana Eleonora Falcone. Uma pena, pois me disseram que a apresentação dela foi bem bacana. Limitei-me a entrevistar a moça e perguntar o que ela achou da experiência de tocar aqui. Ela, absolutamente feliz, disse que tinha sido uma honra e que adorou ter se apresentado no Recbeat. Se seu show tiver sido proporcional à sua simpatia, devo ter perdido um bom espetáculo.
Logo depois começou a apresentação de Maciel Salu, filho de Mestre Salustiano. com rabeca em punho e acompanhado de um ótimo time de percussionistas, Salu colocou o público para dançar ao som do legítimo forró pé-de-serra e demais ritmos regionais. Entre os presentes, destaque para o grande Carlos Eduardo Miranda, da Trama, prestando uma atenção respeitosa ao show de Salu. A performance dele foi ótima, e, entre os momentos que ficarão cravados na minha memória, gostei especialmente dos duelos travados entre a rabeca de Salu e o baixo de Juliano Holanda, numa prova que o regional pode ser universal, mesmo quando trata-se de temas tão particulares quanto samba de terreiro e maracatu. Chico Science foi o expoente dessa filosofia cosmopolita.
A galera pediu mais e Salu, após o show, estava feliz da vida, com todo direito.
Sou extremamente suspeito para tecer qualquer comentário sobre Rogério Skylab, pois desde o início da década passada acompanho seu trabalho. Agora, uma coisa é verdade; é impossível ficar indiferente ao cara. Esquisitão, dono de uma performance bizarra, que beira a insanidade, Skylab desfilou um repertório onde predominava o grotesco. Sem falar que a figura rouba as músicas dos outros numa boa, sem vergonha. “Eu tô Sempre Dopado” tem a mesma base se “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana. “Acorda Sílvia Maria” é uma bem humorada versão para “Time”, do Pink Floyd. Foi a primeira vez em que vi um show em que até os seguranças caíram na risada. Afinal, não é todo dia que um “cara estranho” (atenção, Los Hermanos, este é estranho mesmo!) consegue fazer com que toda a platéia cante em coro refrãos tão delicados e singelos como “Tomou no Cú ?” e “Boceta”, isso sem falar em outras gentilezas que tenho vergonha de escrever. Ainda teve as ótimas “Fátima Bernardes” (tadinha da moça! ), “Carrocinha de Cachorro Quente” (extremamente indigesta e rock!) e “Derrame”. Em “Carne Humana”, a surpresa da noite; o cara desceu do palco para cantar com a platéia, que o cercou , chegando até a arranhar o rosto dele. Nonsense! O assédio foi tão grande que parecia até que se tratava de alguém muito famoso, o que, definitivamente, não é o caso de Skylab. Para fechar, a bossa nova roqueira da impagável “Matador de Passarinho”. Hilário! Conversei bastante com Rogério depois do show, e o que encontrei foi um sujeito lúcido, articulado, inteligente e….normal! Mais um que fez questão de elogiar a estrutura do Recbeat e a hospitalidade dos pernambucanos.
Enquanto conversava com Rogério, entrou em cena o Bernie’s Lounge. Isso é que eu chamo de fruto da globalização; holandeses que tocam jazz com sotaque latino. A platéia entrou no clima e, por alguns instantes, não sabia se estava no Recife ou em algum cenário de “Kubanacan”, tamanho o número de moçoilas que se requebravam acompanhando o som dos gringos, que se divertiam tanto no palco quanto o público. Mas um amigo meu foi quem resumiu bem o que é o Bernie’s Lounge ; “É A Roda com boa produção”. E pior que é mesmo!
No intervalo, enquanto esperava a apresentação do Eddie, conversei com Carlos Eduardo Miranda. Ele fez questão de elogiar A Roda e Maciel Salu. Disse que gostaria de produzir os Astronautas, pois acredita que a banda deveria ousar mais, o que, no dialeto de Miranda, significa “pirar, viajar”. Esse bate-papo, que contou com a colaboração de Guilherme Moura e Bruno Negaum, você confere em breve, assim que a ressaca (física, pois não bebo) passar.
Acompanho o Eddie desde 94 e nunca vi a banda tão coesa como agora. “Original Olinda Style”, o último trabalho do grupo, é ensolarado, praiano, gostoso, redondo. no palco, o clima de descontração contagia e, por alguns instantes, chegamos até a esquecer que a voz de Trummer não é nenhuma Brastemp! Mas não há dúvida que a banda evoluiu bastante. Acho que 2004 será o ano deles. O show ? Sabe aquele tipo de repertório que é só tocar e correr pro abraço para comemorar o gol ? Pois foi assim o show todo, principalmente em “Quando a Maré Encher”, que começou a ser cantada pelo público antes mesmo da banda tocá-la. Erasto Vasconcelos concorre com Skylab e Cannibal ao prêmio “maior figura do Recbeat 2004”. Ele é genial, sua presença de palco é admirável, sua idiossincrasia, idem, e seus discursos, memoráveis. Sem falar no músico de mão cheia que o cara sempre foi. “Metade Futebol, Metade Mulher”, minha música preferida dos olindenses, foi tocada com esmero. Um show que a banda não esquecerá tão cedo e, se meu faro não falhar, o primeiro de uma série de boas apresentações que o grupo fará no decorrer de 2004.
Bem, na volta pra casa, tudo em paz, desta vez sem música baiana nenhuma para pentelhar meus ouvidos. Amém!.
Clique na foto abaixo para abrir a PopUp com as fotos do RecBeat 2004:

Links:
» Eddie no RecifeRock
» Maciel Salu no RecifeRock
» Site de Rogério Skylab
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