Recbeat 2004 (Terceiro Dia)

Por Hugo Montarroyos em 23 de fevereiro de 2004

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RECBEAT 2004 (TERCEIRO DIA)
data: 23/02/2004 (Segunda) – local: Cais da Alfândega
com Dj Dolores: Aparelhagem, Nega Gizza (RJ), Kenny Brown (EUA), Tira Poeira (RJ) e Refinaria (Silvério Pessoa)
Resenha por Hugo Montarroyos – Fotos por Guilherme Moura e Bruno Negaum

Nega Gizza toma o Recbeat de assalto
em 23/02/2004 por Hugo Montarroyos

Tive a falsa impressão que a terceira noite do Recbeat seria a mais difícil de cobrir. Pouco conhecia das atrações e esperava menos ainda delas em cima do palco, exceção feita à Kenny Brown, pois até hoje não encontrei um bluesman ruim. Mas me enganei completamente.

Os tambores pesados e sincopados do Maracatu Porto Rico deram o tom do que seria toda a tônica da noite; um baita susto no começo, apresentação segura e reconhecimento popular no final.

Silvério Pessoa e A Refinaria entraram em ação logo depois. Silvério, vestido de Homem-Aranha, começou a cantar com voz robótica acompanhado por batidas eletrônicas. A platéia, de início, ficou sem saber ao certo como reagir. Mas, carismático como é e dono de uma presença de palco invejável, Silvério não demorou muito para conquistar a confiança da galera, que acabou se divertindo com sua temática regionalista do terceiro milênio. Teve até direito a uma versão tecnopop com clima sinistro para “Chiclete com Banana”, talvez a música mais conhecida do repertório de Jackson do Pandeiro. Depois, Clayton do Cordel do Fogo Encantado, foi convidado para participar da farra eletrônica, empunhando seu violão e acompanhando o repente espacial de Silvério. Pensei; “se duvidar, será o melhor show da noite”. Estava enganado!

Quando começou o show dos cariocas do Tira Poeira, achei que presenciaria uma apresentação de chorinho, ritmo marcante dos trabalhos do grupo. Ledo engano. Espertos e excelentes músicos, fizeram questão de adaptar o repertório para o carnaval, e fizeram uma salada pra lá de boa, com direito a citações de Hendrix em “Hey Joe”, coral emocionante do público na bossa nova “Chega de Saudade” e versões de arrepiar para “Vai Passar”, de Chico Buarque, e “Leão do Norte”, de Lenine. Detalhe; os excepcionais Caio Márcio (violão), Henry Lentino (bandolim), Samuel de Oliveira (saxofones), Fábio Nin (violão de sete cordas) e Sérgio Krakowski, fazem música instrumental. O show foi, em apenas uma palavra, lindo. Comentei com meus botões; “Este sim, será o melhor da noite”. Não foi!

Kenny Brown é uma figuraça. Músico de mão cheia, mandou ver um blues envenenado que conquistou boa parte da platéia. Em apresentação inspirada e sem falhas, destaques para “What a Wonderful World”, que ganhou o mundo na inconfundível voz de Louis Armstrong, e “Negro Gato”, de Luiz Melodia, cantada pelo convidado especial da noite, Pedro Quental, do carioca Monobloco. Foi tão espontâneo, tão natural, tão perfeito, que me convenci de que não tinha erro; enfim, a grande apresentação da noite. Errei novamente!

Tive a infelicidade de comentar com Bruno Negaum que achava que Nega Gizza entraria numa roubada, pois o hip hop, àquela altura do campeonato, só serviria para esfriar o incendiário clima que estava instaurado no Caís da Alfândega. Guilherme Moura ainda me alertou para o fato do local ter lotado de uma hora para outra, provavelmente pelos seguidores do hip hop. Não dei bola para o recado, e continuei achando que seria um fiasco. Fiasco, bom frisar, é o meu limitado Q.I. O show foi explosivo, bombástico, infernal, de uma autenticidade rara. Nega Gizza soube como ninguém levantar a massa, que pulou como nunca vi antes num show de Rap (e olha que já testemunhei os Racionais in loco). com sua metralhadora verbal disparando tiros certeiros, Nega fez o público enlouquecer com versos do quilate “Sou puta sim / Vou vivendo do meu jeito / Prostituta atacante / Vou driblando o preconceito (…) Não me orgulho, mas me assumo / Menos Mal.

Quando ela chamou o irmão MV Bill para cantar com ela “Soldado do Morro” tive a sensação que finalmente a classe operária chegaria ao paraíso, que, enfim, a revolução tinha chegado, em pleno carnaval. Foi por pouco. Gente como Nega Gizza, que participa de uma organização chamada “Cufa” (Central Única das Favelas), é um exemplo para quem só sabe reclamar da vida com a bunda bem sentada numa cadeira macia, para quem reclama da comida da empregada, enquanto muitos não têm o que comer. Vou parar por aqui, antes que comece a delirar e a escrever coisas como “tenho orgulho de ser negro”. Que os jovens se espelhem nos caminhos traçados por Nega Gizza e MV Bill. Entre uma arma e a acomodação, fique com a atitude de fazer arte, de tentar transformar a realidade da periferia em algo menos doloroso.

Bem, pra variar, errei novamente. Foi o melhor show da noite, disparado. Ainda bem que não sou a Mãe Dinah!

DJ Dolores deu um azar dos diabos. Comandando as pick-ups e apresentando sua nova banda, A Aparelhagem, Helder Aragão teve que enfrentar dois problemas difíceis de contornar; a) imprevistos técnicos, que obrigaram a banda a improvisar enquanto eram feitos reparos no palco; b) a chuva, que até então não tinha dado as caras no Recbeat. Ainda assim, o saldo final foi positivo. A estranha mistura de eletrônica com instrumentos de sopro, guitarra e percussão, que por vezes parecia uma macumba tecnológica (com todo respeito aos credos africanos) caiu no gosto do povo, que mesmo debaixo de chuva abriu uma emocionante roda de ciranda. Apesar da riqueza instrumental, tive dificuldades em aceitar a mistureba, pois não sou exatamente fã de música eletrônica. Mas, para um cara que está ganhando o velho continente e que, nos últimos dias, chegou a ser capa da “Ilustrada”, da Folha de São Paulo, confesso que fiquei desconcertado quando o incensado DJ Dolores me confessou ; “Faço música de rua, para o povo dançar, sem a menor pretensão artística”. Dá pra falar mal depois de escutar isso ? Ainda assim, foi o show mais fraco da noite. E juro que não foi previsão minha…

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Links:
» Refinaria no RecifeRock
» Dj Dolores: Aparelhagem no RecifeRock
» Site da Nega Gizza

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