
em 04/04/2004 por Hugo Montarroyos
Silvério fala sobre a diferença entre tocar na Europa e no Brasil
Assim como o Hanagorik, outro que costuma viajar freqüentemente para a Europa é Silvério Pessoa. Sendo assim, perto da hora do almoço, num dia qualquer de março, liguei para a casa dele. O próprio atendeu o telefone. Assim que falei meu nome, escutei um “Faaaaaaaaaaaaaaalaaaa meu irmãooooooooooo”, cantado em ritmo de frevo do outro lado da linha. Batemos um papo às vésperas dele embarcar para uma turnê européia. Desta vez (acho que foi a primeira !) não interrompi nenhuma refeição do homem responsável por “Bate o Mancá”, Micróbio do Frevo” e A Refinaria.
Silvério está em turnê pela França, aproveitando o lançamento da versão européia de “Bate o Mancá”. “Vou passar 15 dias entre a França e a Suiça. Farei shows em Paris, Lyon. Depois volto para o Recife e, em junho, parto para um turnê maior, onde tocarei na Holanda, Dinamarca e Suécia”.
Pronto ! Era a brecha que eu queria. Pergunto se ele sabe explicar por que é mais fácil tocar na Europa do que no Sudeste do País. Silvério se anima com a pergunta: “Rapaz, isso é uma coisa impressionante. Lenine, que é meu amigo, já tinha me falado que a receptividade do público europeu é uma coisa do outro mundo. Tive a oportunidade de comprovar o fato durante minha turnê no ano passado. Acho que tem uma série de fatores envolvidos para explicar isso”.
Questiono se a política cultural é um deles. “Com certeza. Pra você ter uma idéia, nunca recebi uma passagem para divulgar a música pernambucana lá fora. Recebo ajudas isoladas de amigos que tenho na política, mas de projetos de política cultural, nunca vi um centavo”.
Outro aspecto, segundo ele, é o que chama de “cultura do ausente”. “É muito louco isso. Você tem que ser reconhecido primeiro lá fora para depois ser valorizado no Rio e em São Paulo. Ainda mais eu, que não sou um artista nacional, sou um artista local. Não sou um pagodeiro, não sou um produto cultural”, diz. Isso sem falar nas condições de trabalho. “Cara, me recuso a mostrar meu trabalho no Sudeste se o preço que tiver que pagar para isso for o de dormir em rodoviária, comer mal, receber uma grana miúda. Acho que a música pernambucana não merece passar por isso. Na Europa, já estou com todos os shows agendados, recebemos o pagamento numa moeda forte. Tudo bem que não ficamos hospedados em hotéis de luxo, mas encontramos uma estrutura que dificilmente encontraríamos no Rio de Janeiro ou em São Paulo”.
Como é impossível falar pouco com Silvério, pois o papo flui naturalmente, entro com minha teoria do complexo de inferioridade do brasileiro, que ele concorda veemente. “Acontece, sem dúvida. Será que precisamos sempre do aval estrangeiro para valorizar o que é nosso?”, pergunta. E concluí: “Vivemos num imperialismo cultural e ideológico, infelizmente”. E os pernambucanos, como será que encaram isso? “Bicho, fora o Cordel do Fogo Encantado, ninguém mais mora em São Paulo. Lenine e Alceu moram no Rio, mas são artistas de outra geração, que fazem um outro tipo de som. Ah, tem o Otto, que engravidou uma global”, provoca. “Mas, fora isso, infelizmente, o caminho acaba sendo o do avesso mesmo; ir mostrar nosso trabalho na Europa, que dá mais condições e respeita nosso trabalho”, atesta.
Mas a grande surpresa fica pro final. “Velho, a Europa simplesmente matou o folclore. Não existe mais manifestação cultural de raiz por lá. Meu trabalho é bem aceito na Europa por isso também, porque os europeus têm essa lacuna a ser preenchida, e a música que faço é muito parecida justamente com o tipo de som folclórico de algumas regiões européias, que simplesmente não existe mais”.
Depois dessa explicação política, cultural, sociológica e ideológica, limitei-me a me despedir. Antes, porém, Silvério me pergunta se essa conversa sairá no site. Respondo que sim, e ele acrescenta. “Pô, me avisa quando sair !”. Poooooooooooddeeeeeeeeeeeeeeeee deiiixarrrrrrrrrrrr, meuuuuuuuuuuu irmmmmmmmmãooooooooooooo !
A quarta parte está em fase de produção….

Links:
» Refinária no RecifeRock
» Diário de viagem de Silvério Pessoa pela Europa
——–