em 16/04/2004 por Hugo Montarroyos
Ao entrar no Centro de Convenções, não pude conter o susto. A estrutura do Pavilhão do Centro de Convenções mudou completamente. E para melhor. Trocaram o palco principal de lado e ampliaram o espaço para o público. Este, por sua vez, acabou sendo minguado. no “olhômetro”, Paulo André calculou algo em torno de quatro mil pessoas presentes na primeira noite.
Pontualmente às 22h, o MM Dub começou sua apresentação. Senti o primeiro alívio do dia. O som do palco 2 estava perfeito, limpo e cristalino. Também estava apreensivo pelo fato de talvez ter que falar mal da apresentação dos caras. Gosto, como figuras humanas, dos dois Marcelos (Massacre; ex-baixista do Faces do Subúrbio, e Santana; decano do Reggae em Pernambuco) mas não sou lá grande fã do gênero imortalizado por Marley e de suas variantes. Tinha medo que o show deles fosse muito chato. Não foi. Carismáticos e competentes, Marcelo Massacre e Marcelo Santana levaram o público (ainda bem pequeno) na manha, entortaram batidas de Dub e abriram com muita dignidade o Abril pro Rock 2004. Destaque para Peste, baterista do Matalanamão, na percussão, “efeitos” e depois, bateria. Foram bem recebidos pelo público, tocaram pelo menos duas boas músicas (“Acordei Feliz” e “Tanta Ladeira”) e saíram de palco com a nítida sensação de dever cumprido.
Depois foi a vez do hibridismo de DJ Dolores: Aparelhagem abrir os trabalhos do palco 1. Talvez seja mais fácil decifrar as obras de Kant e Hegel do que traduzir o som produzido por Helder Aragão. Mas não custa tentar: brasileiro demais para ser eletrônico, e eletrônico demais para ser brasileiro. com os dois pés cravados na latinidade, Dolores soube explorar a estrutura oferecida pelo palco principal. A galera entrou no clima e curtiu toda a amplitude sonora do extenso leque rítmico da Aparelhagem, que também flerta com o Jazz e ritmos regionais, numa simbiose estranha, uma espécie de suruba musical do terceiro milênio. O time de Dolores ajuda um bocado para o bom produto final. Isaar França é de uma competência comovente. Sua voz e sua presença de palco são um espetáculo à parte. O show funcionou bem, e cresceu muito na segunda metade da apresentação da banda, quando o grupo optou por batidas mais aceleradas e pesadas. Algo difícil de definir e fácil de gostar, mesmo para quem, assim como eu, não curte música eletrônica.
A primeira boa surpresa da noite ficou por conta da cearense Karine Alexandrino, uma “Rogério Skylab de saia” (e que saia !). Dona de uma performance ímpar, a maluquete subiu ao palco num figurino inacreditável, parecendo uma boneca gigante de caixinha de música. Entre gemidos, sussurros e frases do estilo “Eu continuo chupando tudo até a última gota”, a moça apresentou um som tão esquisito quanto o seu vestuário. Soube, através de fontes confiáveis, que a figura ficaria nua no palco. Chegou bem perto disso, tirando a saia e ficando num vestido onde era possível perceber que ela estava sem calcinha. Bem, em relação ao set list, covers maravilhosos e inusitados, como o de “Elefante”, de Robertinho do Recife. Ela, que se denomina “um brinquedo para os homens”, terminou a apresentação mostrando rapidamente, como dizem nos desfiles de Escolas de Samba, a “genitália desnuda”. Rock!
Não dava um tostão furado pelo Viva La Fête. Quando os belgas entraram em cena, fiquei mais impressionado com a produção (impecável ) do show do que com o som deles. A iluminação estava perfeita e, em certos momentos, fiquei com a impressão de estar numa boate gigante. O duo, formado pela vocalista Els Pynoo e pelo guitarrista Danny Mommens, aos poucos foi dando ênfase ao lado rock da banda, e aí o bicho pegou, mas pegou mesmo! A partir daí, comecei a perceber que estava testemunhando um momento histórico. A avalanche sonora dominou todo o Centro de Convenções, e a galera acompanhou o ritmo frenético das batidas do Viva La Fête. As luzes, por sua vez, proporcionaram o clima perfeito para entrar na viagem. Mas o momento marcante mesmo foi quando o endiabrado guitarrista da banda “pescou” uma mina da platéia e cedeu sua guitarra para a moça que, sem titubear, e após uma aula relâmpago do cara, entrou na onda e deu conta do recado, tendo como apoio uma consistência sonora entre o punk e o eletrônico exalado pelos demais músicos. Duca!
Foi convocado também um carinha do público para cantar. E, depois, para meu deleite, uma versão maravilhosa para “Psycho Killer”, do seminal Talking Heads, que demorei a reconhecer. Enfim, fiz um negócio da China. Não dei um tostão furado e saí ao final do show com a alma lavada em Euros. Melhor ainda. Sabe aquela história da banda surpresa que se apresentaria no domingo no lugar do Los Sebosos Postizos ? Pois é, trata-se do próprio Viva La Fête. Fica a dica para quem não viu: simplesmente obrigatório!
Como nada na vida é perfeito, após o turbilhão que foi o Viva La Fête, as coisas começaram a desandar um pouco. Primeiro, com o show da pernambucana radicada em Portugal Cinthya Zamorano (CYZ) , num show que, definitivamente, não foi dos melhores. Morgado talvez seja a palavra que melhor expresse a apresentação dela, que faz uma mistura de ritmos modernos com temáticas regionais. Quem salvou a moça do naufrágio foi Maciel Salu, convidado por Cinthya para dividir os vocais numa das músicas. Fora isso, o show não funcionou.
Mas pior mesmo foi Marcelo D2. O cara conseguiu fazer um show tão longo quanto os discursos de Fidel Castro. Aliás, longo, chato e cansativo. Musicalmente, o único bom momento foi “Queimando Tudo”. no mais, o que se viu foi um D2 prolixo, metido à historiador e sociólogo e pedindo insistentemente para a platéia fazer barulho. O retrato do show pode ser resumido num único episódio: D2 demorou quase cinco minutos para encontrar alguém na platéia que soubesse cantar “Lodeando”. Acabou achando uma menina de voz ininteligível.
Bem, pelo menos o cara foi generoso e chamou ao palco um belo time de B-Boys, responsável por acrobacias inacreditáveis. E ainda deu espaço para o MSP ( Movimento dos Sem-Palco) invadir o latifúndio e dançar tão bem quanto os “bailarinos oficiais”. Mas o melhor dessa história foi que, enquanto os caras faziam suas piruetas, D2 se calava. Em síntese, saí do Pavilhão do Centro de Convenções com quatro palavras na cabeça:
VOLTA LOGO, PLANET HEMP!
Clique na foto abaixo para abrir a PopUp com as fotos do Abril Pro Rock (primeiro dia):

Links:
» Dj Dolores: Aparelhagem no RecifeRock
» Site da banda Vive La Fête
» Site do Marcelo D2
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