em 22/01/2005 por Hugo Montarroyos
A segunda noite do Festival de Verão do Recife serviu, entre outras coisas, para fazer justiça a uma das maiores bandas da história do rock nacional, para provar que shows acústicos não funcionam em espaço aberto, para celebrar o desprezÃvel Charlie Brown Jr. como dono do maior público do Brasil e para testemunhar uma das apresentações mais bonitas e emocionantes (e lotadas de clichês) do Biquini Cavadão. Isso sem falar da realeza da “perereca saltitante” Ivete Sangalo, mas preferi não participar desse culto ecumênico em forma de música baiana…
O Barão Vermelho é, sempre foi e continuará sendo a melhor banda ao vivo deste paÃs. Seu show foi simples, direto, sem frescura, sem afetação e com uma pegada vigorosa digna de quem é patrimônio histórico da música brasileira. Abriram o show com “Maior Abandonado”, emendaram com “Beth Balanço” e apresentaram a nova (e boa) “Cuidado”, que possuà um riff envenenado que lembra AC/DC e, pasmem, Darkness. Não precisavam fazer mais nada. Poderiam arrumar as malas e voltar para o Rio de Janeiro que ainda assim já teriam barrado qualquer show do dia anterior. Mas resolveram prosseguir, e as coisas não pararam de melhorar. Sapecaram “Jardins da Babilônia” (Rita Lee), tocaram as hedonistas “Pedra, Flor e Espinho” e “Por que a gente é assim?” e mostraram uma sonoridade encorpada, fruto de uma banda incrivelmente rejuvenescida com o passar dos anos e dona de um apelo irresistÃvel que vinha do único local que interessava; a música. Frejat, Guto Goffi (bateria), Fernando Magalhães (guitarra), Rodrigo (baixo), MaurÃcio Barros (teclados) e o figuraça Peninha (percussão) deram uma aula do bom, velho e legÃtimo rock nÂ’ roll. E a sintonia com o público foi total e absoluta, tanto que a platéia pediu “Exagerado” e, mesmo com Frejat dizendo que a música não estava no repertório porque não tinha sido ensaiada, foi tocada num improviso lindo, apenas no violão e com o acompanhamento da bateria. Outro momento de catarse foi quando dispararam “O Tempo Não Pára”, resgatada do legado de Cazuza, de uma época em que o rock e a poesia caminhavam de mãos dadas. Ainda teve “Malandragem dá um Tempo”, do repertório de Bezerra da Silva, e a emocionada versão para a sempre emocionante “Quando o Sol Bater na Janela do seu Quarto” (Legião Urbana). Fecharam de forma apoteótica com “Pro Dia Nascer Feliz”. Ah, tocaram também “Puro Êxtase”, mas é melhor esquecer essa pequena mancha na reputação do Barão, que ensinou à s novas gerações o que é envelhecer com dignidade.
Como este é um site que trata essencialmente de rock, dei-me ao luxo de não ver o show de Ivete Sangalo. Preferi rumar para o palco destinado aos grupos locais para conferir Mellotrons e Volver. Passemos a estes então.
Uma pena constatar o vazio que tomou conta da concha. PouquÃssimas pessoas interessadas em conferir o novo som de Pernambuco, que ficou de fato deslocado num festival maisntream, cujo objetivo não é revelar novos talentos, e sim atrair público com os medalhões já consagrados.
O Mellotrons fez um show competente, desfilando as já manjadas “You and I”, “Slow Motion” e “Evening”, esta última eleita a melhor música de 2004 pelo “Prêmio Recife Rock”. A novidade ficou por conta de duas novas composições em português, que acabaram soando um tanto deslocadas. A sonoridade dos caras combina pouco com o idioma pátrio, e a sensação de estranheza ficou nÃtida tanto em “Antes que Chegue o Inverno” como em “Trem Azul”. No mais, foi o Mellotrons de sempre, uma banda que encanta pelo belÃssimo trabalho de guitarras e pela capacidade de criar climas mágicos. Pena que pouca gente viu.
Se o público do Mellotrons foi pequeno, o do Volver foi ainda menor. Mas a banda pouco se importou (ou pelo menos pareceu não se importar) com o local deserto (contei 47 pessoas, incluindo os seguranças) e mandou um rockão certeiro, onde a grande novidade foi a inédita e ótima “Charminho”. É impressionante a evolução da banda. “Lucy” e “Você que Pediu” ganham novo fôlego sempre que são executadas. Fico imaginando o estrago que será feito quando o Volver romper as fronteiras locais…
De volta ao grande circuito, era a vez dos revolucionários de refrigerante do Charlie Brown Jr. entrarem em cena. Em um raro momento de lucidez, Chorão abriu o show sintetizando o que é o CBJ: “Somos a pior banda do Brasil, mas temos o maior público do paÃs”. De fato, no quesito popularidade, ninguém barra os santistas. A histeria provocada pelo Charlie Brown é um fenômeno digno de estudo sociológico. Sem contar a incoerência do discurso. Chorão proclamou que o show deles era dedicado à s pessoas que sabiam o significado da palavra “respeito”. Realmente, não consigo imaginar nada mais respeitável do que esmurrar a cara alheia por conta de divergências ideológicas. Francamente.. Mas a gurizada adora a desarticulação verbal de Chorão e a filosofia de skate da banda. É deprimente ver uma multidão gritar repetidas vezes coisas como “Pum-Pum-Pá” e ser submetida ao que de mais nefasto a música nacional já produziu, vide “Proibida pra Mim” e “Confisco”. Aliás, parece que confiscaram o bom senso do público, pois este insiste em idolatrar uma banda cujo grande talento é o da falsidade ideológica. Cuspir palavrões na velocidade da luz não é sinônimo de rebeldia. Um dia a molecada aprende…Até lá, o CBJ continuará dominando as paradas, os corações e as mentes adolescentes. O mundo está longe de ser um lugar justo…
Depois do arrasa quarteirão que foi o show do Charlie Brown Jr (é triste, mas é verdade), o Ira! mostrou um acústico em ritmo de lexotan. O grupo fez um dos shows mais irregulares que já vi na vida. Se “Flores em Você” era brindada com um lindo arranjo de cordas e “Tarde Vazia” ganhava o coro popular, o fato é que o resto da apresentação deles foi maçante, morgada e melancólica. Só o final, com “Núcleo Base”, empolgou. É chato ter que dizer isso, mas foi um show muito aquém do que o Ira! pode fazer. Foi a grande decepção do Festival de Verão.
Em compensação, o Biquini Cavadão viveu um momento redentor. Repetiu praticamente o mesmo show do ano passado, mas a banda contagiou o público de tal forma que, mesmo com metade das pessoas já tendo ido embora, foi o grupo que melhor soube interagir com a platéia, que foi literalmente levada ao delÃrio pelos caras. Primeiro o BiquÃni começou com seu já manjado repertório de covers de clássicos do rock nacional dos anos 80. Tocaram hits do Nenhum de Nós, Engenheiros, Uns e Outros e etc. Mas, justiça seja feita, o grupo cativou de fato com o repertório autoral. “Tédio” contou com uma manifestação tão ruidosa do público que o vocalista Bruno Gouveia não se conteve de felicidade e deu um mosh. “JanaÃna”, “Timidez” e “Mundo da Lua” também foram extremamente bem recebidas, todas cantadas em unÃssono. Aliás, Bruno só não fez chover, pois comandou a platéia como bem quis. Era clichê atrás de clichê, tais como: pedir para o público se agachar e pular, tirar a camisa e girar no ar e demais macaquices. Só que, estranhamente, no lugar de soarem ridÃculos, tais atos renderam momentos da mais pura e ingênua comoção, tanto que a galera pulava sem parar com o sol já raiando. A banda tocou “Song 2” (Blur), “Come as You Are” (Nirvana) e fechou com “Beth Balanço” (Barão Vermelho). SaÃram de cena aplaudidÃssimos. O comentário que mais ouvi no final foi o de gente dizendo que havia sido o melhor show do festival. E, por mais estranho que possa parecer, foi um dos melhores mesmo.
Resumo da ópera: em noite de Charlie Brown, quem saiu consagrado foi o Biquini Cavadão. Às vezes o mundo é perversamente justo.
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