O segundo dia do Festival Mundo, em João Pessoa, foi ainda melhor que o primeiro. Não só por conta da escalação das bandas, mas também pelo caráter inusitado que dominou todo o dia. O que estava prestes a se tornar um desastre anunciado converteu-se em show memorável pós-Mundo. Junte-se a tudo isso a melhor apresentação que já vi do Mundo Livre S/A (e olha que vejo show deles desde 1994), show irretocável do paulistano Guizado e uma certa banda local chamada Blue Sheep e você estará bem próximo de uma noite perfeita.
O público contribuiu bastante também, e compareceu em massa na Usina Cultural Energisa. Fiquei com a mesma sensação que tive na edição deste ano do No Ar: Coquetel Molotov: assim como o festival pernambucano, o Mundo dobrou de tamanho em um ano. Seja na estrutura, escalação de bandas e, principalmente, presença de público. E, melhor de tudo, com ingresso bem acessível. Sem contar que as oficinas, debates e palestras que aconteciam no início da tarde eram gratuitas. Em suma: um festival que rendeu tudo que se espera de um evento desse porte: os medalhões se garantiram, surgiu banda revelação e até os imprevistos geraram bons momentos.
Vamos lá: após um caloroso debate que contou com a presença de Paulo André Pires (Abril pro Rock/Mundo Livre/DJ Dolores/Abrafin) e Fabrício Ofuji (produtor do Móveis Coloniais de Acaju), que falaram sobre autogestão e circulação no circuito independente, teve início um dos shows mais bacanas que vi nos últimos tempos.
O nome da banda é Blue Sheep, um trio de garotas de 18 anos que são de uma petulância linda. Além de mandarem ver um rockão blueseiro extremamente bem executado, o Blue Sheep adota uma postura no palco que acaba rendendo o mais incrédulo dos mortais (essa raça cínica que atende pela alcunha de “crítica”). Fazem tantas caras e bocas, forçam tanto a barra no gestual que a coisa toda, por incrível que pareça, joga a favor delas. Seria ridículo com qualquer outro, mas cai como uma luva em um trio de garotas que fazem rock n’ roll. Nem o fato de tocarem uma versão datada de “Smoke on The Water” pesa contra. Ao contrário, dá um alívio e é bonito de ver que meninas dessa idade escutem coisas que foram concebidas quando sequer sonhavam em nascer. Cheguei a comentar em João Pessoa que, se tivesse coragem de ser produtor de alguma banda na vida, seria do Blue Sheep. Porque, ainda que sejam muito novas, já possuem qualidades que muitas bandas demoram anos para desenvolver: boas composições, presença de palco, pose de quem já ganhou o mundo. Chega a ser emocionante ver meninas dessa idade fazendo tão bonito numa época em que os jovens do país parecem cada vez mais ligado em Pitty, Fresno e Nx Zero. Se levarem a banda a sério, as meninas do Blues Sheep têm tudo para irem longe. Cheguei a comentar com um amigo jornalista que gostaria de ter uma filha como elas. E, a resposta genial dele foi: “não gostaria, não. Dá muito trabalho”. De fato, elas devem dar um baita trabalhão mesmo. E é aí que está todo o encanto. Das bandas mais promissoras que vi nos últimos tempos.
O também local Malaquias em Perigo vai precisar me perdoar, mas, ou eu jantava ou desmaiava de fome. Assim sendo, perdi o show da banda. Fiquem à vontade para contar como foi nos comentários. E mil desculpas por ter perdido o show.
Quando voltei, a situação encontrada era a seguinte: o Nublado estava no meio de seu show, e acabava de chegar a notícia de que a van que trazia o Amp e o Black Drawing Chalks havia quebrado em Pipa. Começou a bater um certo desespero na produção. O local em que os shows são realizados é vizinho de um hospital, e shows ali só são permitidos até uma da matina. Parecia que daria tudo errado…
Ao Nublado então…é complicado falar qualquer coisa sobre a banda, pois ela transita entre tropeços do vocalista e acertos no instrumental várias vezes durante a mesma música. Fica evidente que existe talento ali, sobretudo quando o baterista assume os vocais. Mas é o tipo de banda que demanda cuidado ao ser ouvida. Não é um grupo com forte apelo pop, daqueles que pegam o ouvinte de primeira. Bem, preciso ser justo e dizer que estou me baseando pela metade que vi do show. A banda parece já ter um público formado. Eu, com certeza, “promoveria” o baterista ao cargo de vocalista, pois as coisas melhoram muito quando ele canta. A apresentação deles me pareceu confusa, mas, repito, só vi metade do show. Achei bem melhor a apresentação deles no ano passado – show que, diferentemente deste, vi todo.
A produção do festival fez a única coisa que era viável nas ausências de Amp e Black Drawing Chalks: adiantou o show de Chico Correa e Eletronic Band, que se apresentaria depois das duas bandas. Orgulho local, a banda teve ótima acolhida popular. Seu show manteve o interesse durante todo o tempo, e dá a impressão que o grande trunfo de Chico é saber misturar música regional com experimentalismos sem nunca dar a impressão de forçar a barra. Amparado por uma banda afiada e dois ótimos vocalistas, Chico Correa fez um dos melhores shows do festival.
Aí começaram os problemas. O pessoal do Amp e do Black Drawing Chalks chegou atrasado e morto de cansado. Mas com uma disposição absurda. O Amp tratou logo de subir ao palco para passar o som. E foi o suficiente para uma galera se posicionar na frente do palco, pressentindo que vinha lapada das boas ali. E foi o que aconteceu. Apesar de tocarem apenas quatro músicas e do som estar longe do ideal, foi o suficiente para abrir roda de pogo e para uma secessão de moshs sem fim. Mesmo com Capivara e Djalma praticamente sem voz, foi bonito de ver. A banda chamou ao palco os caras do BDC para cantar “Acidez”, que se tornou hit em João Pessoa. E aí as coisas começaram a degringolar. Um dos caras do Black jogou cerveja em Djalma, e um dos técnicos de som ficou furioso porque parte do líquido teria caído no microfone. Revoltados, os técnicos cortaram o som depois do BDC tocar apenas uma música. A vaia foi geral. Irônicas, as duas bandas se viraram para aplaudir o pessoal do som. Saíram de cena revoltados. Foi então que a produção anunciou que, para quem tivesse disposição, as duas bandas se apresentariam de graça no Espaço Mundo após o encerramento do festival. Só que os problemas não pararam por aí…
Chegou a notícia (para a imprensa) que o tecladista do Mundo Livre estava doidão no hotel e sem a menor condição de fazer o show. Parecia mais um desastre anunciado…
Enquanto isso, o Guizado entrava em cena. Acostumados que estão com shows instrumentais, os paraibanos curtiram cada segundo da apresentação dos paulistanos, que, diga-se de passagem, fizeram um baita show. Intimista, envolvente, a música do Guizado entra na categoria “difícil de definir”. Ou seja, lançam mão de vários estilos para criar uma linguagem própria. Foi lindo ver tanta gente concentrada em seu som e performance.
E aí o Mundo Livre S/A foi anunciado. E a banda entrou em cena sem seu tecladista. Que, por essas obras do acaso, não fez a menor falta. Uma coisa bacana foi perceber como a banda de Zeroquatro é querida em João Pessoa. O público, literalmente, era deles. Bastaram os primeiros acordes de “Free World” para perceber três coisas:
a) o som estava cristalino como o de nenhum outro show
b) a banda estava com raiva e disposta a dar o sangue em cena
c) a noite era deles
Poucas vezes vi um Mundo Livre tão coeso, tão seguro de si no palco. A primeira metade do show foi toda levada na “safra cavaquinho” da banda, o que fez com que todo o público dançasse sem parar. Fred caprichou nos vocais. Melhorou muito nessa parte, que sempre foi um entrave na carreira da banda. O grupo pareceu mais ensaiado do que nunca, e até “Terra Escura”, que há séculos não entrava no set do Mundo Livre, foi tocada com perfeição. Talvez tenha ajudado o fato da banda ter sido tão bem recebida. Logo ela, que muitas vezes é tão maltratada no Recife. Ninguém sentiu falta do teclado. A ausência dele até gerou uma crueza que fez com que o som da banda ficasse mais punk, mais rock. Eu acompanho o Mundo Livre desde 1994, quando a banda fez o show de lançamento de “Samba Esquema Noise” no Teatro do Parque. E não me recordo de ver um Zeroquatro tão seguro de si como no Mundo. Show de quem realmente tem 25 anos de carreira nas costas, e que deixou todos satisfeitos no festival. Ou quase todos, pois tinha gente que queria mais.
Aqui peço permissão para fazer um relato em primeira pessoa. Depois do show, fui até o camarim para conversar com Paulo André e Zeroquatro. Nessa hora começou uma intensa movimentação de pessoas que estavam articulando como fariam para chegar até o Espaço Mundo. Dividi, junto com Bruno Nogueira e o pessoal do Guizado, um táxi, que nos deixou na praça em frente ao bar. E aí começou a cena que parecia de filme de Felini. Muita gente sentada nos bancos já perto das duas da manhã. Vários grupos formados por pessoas que ainda queriam mais, bebendo e trocando ideias enquanto o bar era montado. E, em determinado momento, eis que surge Zeroqutro no local, invertendo os papéis para ser, a partir dali, apenas mais um espectador.
Dentro do bar, tudo era feito em velocidade máxima. O espaço possui dois andares, e uma mesa de sinuca adorna a parte de cima. Ela foi retirada do local para posicionamento das bandas. A bateria ficou à frente, o que conferiu um charme especial à coisa toda. O pessoal do BDC improvisou na hora um stand com camisetas e CDs da banda. E, para alegria geral, o Black Drawing Chalks finalmente pôde fazer seu show. E foi emocionante ver Zeroquatro no meio do público batendo cabeça. Ficou no ar a sensação de momento histórico, como foi com o show-surpresa de Wander Wildner no Garagem. O Amp subiu ao palco, e também tocou furiosamente. “Acidez” virou hit, e foi a música mais pedida do festival. Djalma, guitarrista do Amp, estava visivelmente emocionado. Dudu, o baixista, parecia não acreditar no que estava acontecendo. Engraçado que, se tudo tivesse dado certo e a van deles não houvesse quebrado em Pipa, nada disso teria acontecido. Tudo acabou perto das cinco da matina.
Ficou até o final quem tinha “pernas de ferro como as de todo trabalhador. E braços de aço como os de todo operário”.
O Festival do Mundo se consolida como um dos mais importantes do calendário nordestino. Duvida? Pergunte então a Zeroquatro, Paulo André, Amp…
5 Comments
Carai três mulecas de 18 anos agradecidas pelas críticas!!
“Cheguei a comentar com um amigo jornalista que gostaria de ter uma filha como elas. E, a resposta genial dele foi: “não gostaria, não. Dá muito trabalho”.
Eu concordo!!! Meu pai nem curte rock’n roll mas diz que dou trabalho d+ hahaha ele diz: “só quer escutar essa porra de rock menina! Vá estudar!”
Falando sério,Valeu Hugo!
=)
É lindo ver uma resenha assim, o trabalho foi grande para galera da organização mas ninguem mais estão mais felizes do que eles.
blue sheep é fodaaaa!! \m/
Espaço mundo foi foooooooda tb! noite perfeita!
Parabéns pela resenha! :)
hugo, vc esta precisando arrumar uma nega! urgente! seu taradao!
O Festival Mundo 2009 foi incrivelmente foooda!!!! \o/
“Quem perdeu… só ano que vem” …
O rock não para \,,/
Tambem assisti ao show da mundo livre no Teatro do Parque em 94 e o melhor show que vi deles(e olhe que nem gosto da banda) foi no festival de inverno de garanhuns, talvez pelo fato de estarem comemorando o aniversario da banda ou pelo fato de que atingiram definitivamente a maturidade musical, como não fui a João Pessoa fico na duvida qual a alternativa.
Todavia, fiquei decepcionado com a informação de que o tecladista estava doidão e não pode participar do show, se for verdade, isso é de um amadorismo incompatível com o tempo de existência da Mundo Livre.
Agora, Hugo, vc queria ter uma filha como Malu magalhães e agora essas meninas do Blue Sheep, vais terminar tendo uma decepção se terminar sendo pai de uma pagodeira.
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