A maior prova da consolidação do Coquetel Molotov como um dos principais festivais de música do país podia ser aferido pelo perfil do público de sua primeira noite. Além dos já habituais frequentadores, gente que circula em todo evento musical do Recife, havia um público muito novo, que provavelmente estava no festival pela primeira vez. E, como descobriu-se depois, uma molecada que era fã de Cícero, carioca que acabou fazendo o show mais concorrido e surpreendentemente bem recebido da noite.
Outra parcela considerável tinha ido para ver Juvenil Silva, novo talento (apesar de já rodado na cena pernambucana) local que lançou este ano o ótimo “Desapego”. Também estavam por lá os mais maduros, gente que queria aproveitar cada segundo do show do paulistano Hurtmold, única banda a se apresentar por duas vezes na história do Coquetel – a primeira foi em 2005. E, sim, os fãs de Rodrigo Amarante. Afinal, se tem uma banda que continua sendo gigante em Pernambuco, ela atende pelo nome de Los Hermanos. E Amarante, assim como Marcelo Camelo, é tratado e recebido como herói na capital pernambucana. O ponto é: assim como o show solo de Camelo, o de Amarante também é insuportavelmente chato. Aliás, fazia muito tempo que eu não via um show tão tedioso e sonololento como o de Rodrigo Amarante.
No mais, a estrutura estava quase perfeita. Os stands de lojinhas de roupa, artesanato e discos continuavam lá. Assim como espaços para dançar, para aqueles que preferiam curtir ao som de um DJ em vez de entrar no Teatro da UFPE para ver os principais shows. E, principalmente, o Espaço da Sala UFPE, que sempre traz bons shows gratuitos antes do prato principal. Mas, infelizmente, conseguimos perder todos. Problemas técnicos de logística (nossos) e o cada vez mais caótico trânsito recifense nos fizeram chegar já no final do último show, o da banda francesa Team Ghost. Ficam aqui nossas desculpas aos demais artistas que se apresentaram mais cedo: Mauricio Fleury (SP), Claudio N. (PE) e Rafael Castro (SP).
Já no palco principal, vimos quatro apresentações absolutamente distintas entre si. E que pareceram atrair perfis bem variados em cada um dos shows. O único senão de toda a estrutura do festival (e que parece ser um problema antigo, pois o enfrentei em outro evento no mesmo local) é o ar-condicionado do Teatro da UFPE, que é insuficiente dependendo da posição em que você se encontre. No mais, o som funcionou direitinho e a luz foi um show à parte.
Juvenil Silva conseguiu atrair bastante gente, e já no primeiro show foi possível detectar um fenômeno interessante do público pernambucano: ele prefere ver o show em pé, na frente do palco, pulando e dançando, em vez de aproveitar o conforto do teatro. Nada demais, pois fiz o mesmo em edições passadas, em shows do Teenage Fanclub e Dinosaur Jr. E, para quem, como eu, acompanha o trabalho de Juvenil desde os tempos de Canivetes, é bem bacana testemunhar o merecido reconhecimento que ele vem obtendo desde o lançamento de “Desapego”. Ao vivo, o disco também funciona muito bem. A banda é muito segura e competente no palco, e Juvenil Silva demonstra uma segurança (coisa que faltou ao Cícero, por exemplo) digna de veterano. Seu som é uma mistura de tropicalismo com rock n’ roll puro. Ao ser confrontado com o indefectível (e já chato e batido) grito de “TOCA RAUL”, Juvenil respondeu: “ele está aqui, cara. Os acordes são os mesmos!”. Com letras inspiradas e arranjos idem, Juvenil teve o público o tempo inteiro nas mãos. Este show talvez seja o divisor de águas da carreira de Juvenil, que até revisitou seu passado mod tocando material do Canivetes, seu antigo grupo. Mas o horizonte que se abre para ele é infinitamente mais largo. É esperar para ver.
Surpreendente mesmo foi a reação do público ao show de Cícero. Ali ficou claro que a grande maioria tinha ido ao Coquetel para vê-lo. O efeito karaokê foi tão grande que por verzes mal se ouvia a voz de Cícero. Todas as letras eram cantadas com uma paixão reverente pelo púiblico, coisa que lembrou, e muito, as apresentações do Los Hermanos no Recife. Parecia que uma geração inteira descobria ali o seu los hermanos. Artisticamente, embora competente, Cícero não apresenta grandes novidades. Todas as canções aparentam um quê de Radiohead requentado, com a diferença de tudo soar muito econômico, redondo, na medida certa para cativar, aparando toda e qualquer aresta que poderia tonrar o som mais hermético (e, por isso mesmo, mais interessante). Não é o caso de Cícero. Embora não faça um pop tão digerível ao ponto de soar radiofônico, também faz questão de ser o mais acessível possível. Apesar de estar com o público literalmente jogando a favor, Cícero demonstrava estar extremamente inseguro: “Eu estou nervoso…é muita gente!”, dizia. Com dois álbuns lançados, “Canções de Apartamento” e “Sábado”, Cícero, pelo menos no Recife, já é uma realidade. O melhor retrato disso foi a multidão que correu atrás dele no final do show. Sem falar na fila de fãs que se formou no backstage para tentar um momento que fosse de assédio. Cícero me parece ser o caso típico de “o problema deve estar comigo”. Ou estou velho e cínico demais para me empolgar tão facilmente assim com uma apresentação apenas normal; ou o cara é o novo gênio da música pop que só eu ainda não percebi; ou a indústria musical anda tão carente de algo com um mínimo de qualidade que qualquer coisa que tenha um pouquinho mais de conteúdo seja encarado como nova salvação da pátria. Acho que é por aí. Mas, que o assédio foi de impressionar, foi!
Já o Hurtmold tem uma proposta completamente diferente da de Cícero. E fez, como sempre, um show hipnotizante. E vale ressaltar que a banda tocou para outro tipo de público, pois o de Cícero havia se retirado para ir atrás do rapaz. Liderados pelo baterista Maurício Takara e donos de obras magistrais como “Cozido” e “Mestro”, o Hurtmold não se incomodou nem um pouco em só tocar material do novo trabalho, o recém-lançado “Mils Crianças”. A banda é perfeita para festivais como o Coquetel Molotov. É um privilégio ver um show deles num teatro, saborear cada detalhe de sua intricada música, cada batida, cada detalhe percussivo, cada acorde dissonante, músicas que parecem construídas e demolidas ali, na hora, como se estivessem compondo naquele momento. Não à toa, o público que costuma acompanhá-los é formado por gente mais velha e que, muitas vezes, trabalha com música. Este show do Hurmold foi igualzinho a todos os outros que fizeram na cidade: mágico.
E, enfim, veio Rodrigo Amarante, lançando seu aguardado primeiro disco solo, “Cavalo”. E, ok, havia muita gente empolgada. Os fãs dos Los Hermanos estavam ali, dispostos a gritar à plenos pulmões. Mas Amarante parece ter embarcado numa viagem tão pessoal que ficou enfadonho, chato, tedioso, torturante até. No show, Rodrigo Amarante consegue ser chato em português, em inglês e em francês. Consegue ser muito chato no violão, terrivelmente chato no piano, e um pouco menos chato na guitarra. É chato sozinho e acompanhado. O que me espanta é o público cair na dele. “Ah Recife!”, repetia vezes sem fim. E, durante todo o show, eu só pensava em duas coisas: a) me manter acordado e b) torcer desesperadamente para ele tocar algo do Los Hermanos. E nem fã da banda eu sou. Mas Amarante entrou numa de querer ser reconhecido por sua “genialidade”, seu suposto talento de ser um artista pop mesmo fazendo um disco inaudível. A única palavra que me surge no momento é: pretensioso. Justiça seja feita, a maior parte do público estava na frente do palco, suspirando e berrando as letras que conhecia. A outra parte dormiu. Literalmente. Bancando o Freud agora, tudo que Amarante e Camelo fazem hoje soa como uma vontadade cada vez mais profunda e desesperada de renegar “Anna Julia.” E parece que conseguiram. E da pior forma possível. Quer saber de uma coisa? Se for para ser assim: VOLTA, LOS HERMANOS!
p.s. Ainda teve invasão do público no palco no show de Amarante. Mas essa parte (que deve ter sido a melhor) confesso que não vi.
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Sobre o show do Hurtmold no Festival No Ar Coquetel Molotov 2013 em Recife. Site Recife Rock | Hugo Montarroyos
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