em 29/07/2004 por Hugo Montarroyos
Tinha tudo para desandar. Certas misturas não devem ser feitas nunca. Tudo bem que quem não arrisca não petisca. Mas o risco foi desnecessário e, de certa forma, mal calculado.
O cenário: “Projeto Seis e Meia”. Teatro do Parque quase lotado. Público famÃlia. Senhores, senhoras, jovens de aspecto sério. Este era o perfil das pessoas que foram ver Eduardo Dusseck. Público, diga-se, constituÃdo de pelo menos 70% da lotação do teatro. Os outros 30% eram jovens, descolados e curiosos que não queriam outra coisa senão curtir o show do TextÃculos de Mary, que decidira anunciar o final da carreira poucas horas antes. Assim que cheguei, pensei: “Vai dar merda”.
Bem instalado numa das últimas fileiras do teatro, ouço a apresentadora dizer: ”Com vocês, TextÃculos de Mary!!!!” . Pronto! Era a deixa para o desconforto de muitos e alegria de poucos. Aconteceu o que eu temia. Colocaram o TextÃculos (ops!) para abrir a noite…
Barulho, distorção, pancada. Entram em cena os bizarros vocalistas Chupeta, Lollypop e Silene Lapadinha. Começa a performance ousada dos moços. Simulação de sexo oral, exibição de instrumentos fálicos (tá, um cacetão de borracha mesmo!) e uma capacidade de chamar a atenção fora do comum. Tudo muito divertido, apesar do péssimo som local.
Olho para o lado e um senhor insiste em balançar a cabeça negativamente. Percebo logo o mal estar de boa parte da platéia. Enquanto a ala liberal, localizada nos camarotes, vibrava a cada música, a parte conservadora, situada abaixo do palco, torcia o nariz. Alguns poucos com espÃrito esportivo entraram na onda…
Eis que, no meio de toda a putaria (não tem outro nome), os TextÃculos mandam ver “Propópstata”. Imagine a reação de um público famÃlia ao escutar versos como “Eu quero ser sua cadela, engatada no teu pau”, ou “O teu capacho obediente, sua xoxota artificial”. Absurdamente constrangedor e hilário. Chupeta começa a ganhar a noite. Encara a platéia e diz: “Gente, como vocês estão parados. Eu entendo. É a idade. Eu mesmo já estou velho demais para mostrar o cú.” Alguns riem. Outros fazem cara de nojo.
Chupeta aproveita o clima instaurado para dizer que está entalado. Exibe uma macaxeira gigante e dedica uma parte do espetáculo às prefeituras de esquerda que, segundo ele, fecharam todas as portas para a banda. Segurando a descomunal macaxeira, debocha do prefeito: “Vem, João Paulo! É macrobiótico” .
Tocam várias músicas novas. Quando chega a vez de “Monarca (Sometimes I Fell Like Crazy)”, decido cantar junto, só para provocar, para o público famÃlia não pensar que todo mundo ali estava chocado. Gritei com todas as minhas forças “DEPOIS DO DÉCIMO QUINTO BASEADO, EU NÃO RESPONDO POR MIM, EU NÃO RESPONDO POR NADA…PASSA A NOITE, VARO A MADRUAGADA…” O senhor ao meu lado se contorcia de indignação. Azar o dele. Não estava gostando? Então por que permaneceu ali?
A partir daÃ, comecei a torcer para o TextÃculos escrachar cada vez mais. Até que veio o que, segundo Chupeta, era um “momento-clichê”. Ele diz em alto e bom som “Vamos lá, botem todo o preconceito de vocês pra fora. Nos xinguem. Chamem a gente de bicha, de veado, de puto. Vamos lá..” . Poucos se atrevem a faze-lo. Diante disso, Chupeta apela: “Acho que só tem frango aqui…”
Notando que a maioria do público estava simplesmente esperando o show de Dusseck, Chupeta decreta: “Acho melhor vocês darem uma voltinha pra tomar uma cervejinha. Ainda tem música pra caralho pra tocar…”.
Mandaram “Serviço de Utilidade Pública” . E tome microfone no rabo, lambidas, simulação de sexo anal. O macérrimo e altÃssimo Silene Lapadinha corre de um lado para o outro, atira com um revólver de plástico, açoita os companheiros. O clima de orgia homossexual vai tomando conta do local. Chupeta desafia os produtores: ”Quarenta minutos de cú é rola!”. Foi a maneira gentil que ele encontrou de dizer que não terminaria o show no horário previsto. E, nesse momento, a surpresa maior: a banda sai do palco. Chupeta diz que mandaram chamar a polÃcia. E reitera, corajosamente, afirmando que não sairia do palco sem tocar a última música. Ficou lá, de pé, magnânimo e aplaudido, ouvindo os gritos surreais da platéia, que berrava: “TextÃculos, TextÃculos, TextÃculos!” . Uma das organizadoras entra em cena para dar alguns esclarecimentos. É vaiada em unÃssono. Chupeta sai do palco e a tal organizadora começa a dar uma aula de direito, dizendo que cabia aos pais a responsabilidade do conteúdo a ser assimilado pelos filhos. Foi aà que caiu a ficha. Concluà que algum pai indignado, que levara os filhos para ver o show, mandara chamar a polÃcia. Só pode ter sido isso…
E foi o fim melancólico/histérico da carreira de uma das bandas mais criativas do Brasil. No camarim, Chupeta me disse que de fato a polÃcia a foi chamada. Informou que a organização do evento cortou o som e que a banda ainda teria mais cinco músicas para tocar (confira a entrevista na Ãntegra).
Bem, depois do turbilhão provocado pelo TextÃculos de Mary, Eduardo Dusseck deitou e rolou. Tocou praticamente em casa, para seu público famÃlia (e pensar que o cara um dia foi considerado subversivo). “Perto dos TextÃculos de Mary, me considero a Madre Tereza” , ironizou o cantor, que fez um show que pode ser resumido, segundo um amigo, da seguinte forma: a cada sete minutos de piadas, o cara tocava uma música”. O público era dele: tocou, para delÃrio e gargalhadas gerais, “Rock da Cachorra”, “Doméstica”, “Barrados no Baile” e outros clássicos dos anos 80.
E assim foi embora, de volta ao lar e feliz da vida, o público famÃlia de Eduardo Dusseck. Noite estranha….

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