em 12/11/2005 por Hugo Montarroyos
Alto Falante 2: registro de uma história de superação
É absolutamente impressionante o profissionalismo e a competência dos músicos, articulistas e ongueiros do Alto José do Pinho. Bairro que teve sua realidade transformada em função da música, o Alto é hoje, como gostam de proclamar seus moradores, um dos maiores pólos de cultura do Brasil. Prova disso foi a realização, no último sábado, do extremamente bem sucedido projeto Alto Falante 2, festival que reuniu as principais bandas do local e que resultará em registros em formato de CD e, possivelmente, também em DVD.
Com a casa de Cannibal servindo de base para todo o aparato tecnológico necessário para a captação de áudio e imagem, barraquinhas vendendo os CDs dos grupos do Alto, palco em excelentes condições e um som que não devia nada em qualidade técnica ao dos principais festivais de Pernambuco, o Alto Falante 2 foi marcado por ótimos shows, organização impecável, violência zero e um público considerável que foi prestigiar o trabalho de uma galera que não espera acontecer e corre atrás para viabilizar aquilo que, apenas no papel, recebe a pecha de impossível.
Participaram desta edição as bandas Os Maletas, DMiopis, BU, A Ostenta, Nanica Papaya, Terceiro Mundo, Devotos, Matalanamão e Faces do Subúrbio. Cada banda tinha direito à meia hora de show. Duas coisas me impressionaram bastante: a eficiência em se cumprir a rigor o horário das apresentações; e o profissionalismo na montagem do palco. Os intervalos entre os shows eram curtos, e a qualidade do som foi impecável em todas as apresentações presenciadas por este indigitado que vos fala.
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Infelizmente perdemos alguns shows. Chegamos já na metade da apresentação do ainda fraco Nanica Papaya, banda de Reggae que ainda peca pela desafinação em excesso e pela irritante vontade do vocalista André de ser o Bob Marley do Alto José do Pinho. Quando a banda se convencer de que não chegará jamais aos pés do rei jamaicano e buscar sua própria sonoridade, evitando os clichês bobmarleyanos, talvez chegue em algum lugar. Por enquanto, trata-se de um grupo confuso, desafinado e muito chato.
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Depois foi a vez do já lendário Terceiro Mundo abrir rodas-de-pogo e desfilar um hardcore consistente, gritado, histérico e de boas composições de próprio punho. Mas o destaque ficou mesmo para a adequadamente tosca versão para Commando, dos Ramones, que fechou o ótimo show deles.
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O Devotos subiu ao palco numa noite inspiradíssima e privilegiou espertamente o repertório do primeiro disco, Agora tá Valendo. Foi lindo (re) ouvir ao vivo músicas como Luz da Salvação, Asa Preta, Vida de Ferreiro, Tem de Tudo e, óbvio, Punk Rock Hardcore Alto José do Pinho. Apresentação comovente daquela que é, ao lado do Ratos de Porão, a melhor banda de punk-rock-hardcore do país.
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Peitinhos, Prikita e demais particularidades da anatomia feminina fizeram a festa do show da hilária e competente Matalanamão, liderada pelo excelente frontman Adilson Ronrona, figura carismática que consegue transformar putaria em deboche juvenil, pornografia em piada, tudo embalado numa sonoridade deliciosamente anárquica, divertida e ousada.
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Mas a performance mais marcante da noite acabou sendo a do Faces do Subúrbio. Emocionado pelo recente falecimento de sua mãe, o vocalista Tiger exibia nos olhos uma tristeza digna do olhar de Roberto Carlos, e uma raça e fúria de quem parecia querer transformar todo o seu sofrimento em arte. Olhando sistematicamente para o céu, como quem quisesse evocar a presença materna, Tiger era o retrato e o espelho de sua banda: um grupo que ousou fazer música em períodos de adversidade, que chegou a ser preso em gesto de intolerância policial em 1997 no Parque de Exposições, uma banda de periferia que conquistou o respeito no meio artístico não só no cenário do rap nacional, mas também em alas mais conservadoras da música brasileira. Tiger, antes de tocar Homens Fardados, a tal canção que foi responsável pela detenção do grupo em 97, dedicou a música para a sua mainha, que, segundo ele, tinha o maior orgulho de ver o filho em cima de um palco. Pode acreditar, Tiger, tal orgulho é compartilhado por muito mais gente do que você imagina. Você foi o Faces do Subúrbio naquela noite de sábado. E ele (o grupo) foi tão forte e poderoso como todas as vezes em que o vi ao vivo.
Sintetizando todo o sentimento de orgulho, tristeza, satisfação e alegria da noite, só posso terminar tal texto da forma mais clichê do mundo: Parabéns, Alto José do Pinho. Você é do caralho ! Que todas as periferias do Brasil sigam o seu exemplo. Amém.
Clique na foto abaixo para abrir a PopUp com as fotos do Alto Falante 2:

Links:
» Faces do Subúrbio no RecifeRock!
» Matalanamão no RecifeRock!
» Devotos no RecifeRock!
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