O RecfeRock! foi conferir, no sábado, o último dia da etapa recifense da edição 2008 do Jazz Festival Brasil, realizada no Teatro de Santa Isabel. Apesar do ingresso salgado (R$ 50 inteira, R$ 25, estudante), um público relevante compareceu às dependências do teatro para presenciar um gênero pouquíssimo difundido aqui e ainda com a pecha de ser vinculado às elites culturais do País. Pois o que se viu sábado destoou um pouco desses lugares-comuns: uma platéia predominante jovem – daquelas que dava para perceber que ralou bastante para comprar o ingresso e que estava longe de ser iniciada em jazz -, saboreou com atenção cada acorde tocado, cada performance da noite que, quem diria, teve seus momentos tipicamente roqueiros. O que prova que cultura não é algo estático, pertencente a uma determinada camada social e faixa etária previamente definida pela indústria da música.
Primeiro grupo a entrar em cena, o sexteto canadense David Braid Sextet passeou pelo repertório do genial pianista Count Basie. Liderado pelo próprio David (piano), a banda conta ainda com os excelentes Perry White (sax), Kevin Tuncotte (trompete), Steve Wallace (baixista que, segundo David, tocou com um dos dedos machucados devido a um acidente com a janela do hotel) e Nick Fraser (baterista monstruoso). Completamente encantados com a estrutura do Santa Isabel, os músicos capricharam na execução das canções, com destaque para a linda “Harvard Blues”, cujo piano delicado e sax melancólico emocionaram boa parte dos presentes. Alguns momentos mais pesados, que chegam mais perto do rock, vieram com releituras da The Sunshine Boys, grupo formada por Count Basie – veja só – ainda nos anos 1930. Também homenagearam o mestre Oscar Peterson, em momento solo de David. Mas o melhor mesmo ficou por conta de “Somebody Loves Me”, canção que reúne o que o jazz tem de melhor: raiz negra, a dicotomia peso/delicadeza e um set de metais de tirar o fôlego de qualquer um. Foram aplaudidos de pé no final.
Depois disso veio, inusitadamente, os momentos roqueiros da noite, todos proporcionados pelo genial trompetista francês Irakli de Davrichewy e sua banda, a The Louis Ambassadors, que, como o nome sugere, presta homenagem ao mais roqueiro dos jazzistas: Louis Armstrong. O clima já ficou interessante na primeira música: uma das cordas do baixo acústico de Phillipe Pletan estourou, e o músico ficou sem saber o que fazer. Bem-humorado, Irakli disse que continuaria o show sem o baixista, que saiu de cena com acenos de adeus de seus companheiros de banda. Mas aí veio a cartada da de mestre. Pletan voltou ao palco com o baixo de Steve Wallace, da banda de David Braid, que se apresentara poucos minutos antes. Foi o suficiente para quebrar o gelo com a platéia e ganhar de vez a simpatia do público. E, entre tantos bons momentos, dois emocionaram em especial: o stand de “What Wonderful World”, imortalizada na voz rouca de Armstrong, regravada por Joey Ramone em seu disco-póstumo, “Don’t Worry About Me”, e utilizada pelo diretor Michael Moore no documentário “Tiros em Columbine”. E, covardia total (no bom sentido), foi o stand de “La Vie En Rose”, canção que se confunde com a trajetória de sua maior intérprete, Edith Piaf. Para fechar, um solo de bateria criativo de mais de cinco minutos do sensacional Sylvain Glevarer, que, em momentos de fúria, dispensou as baquetas para usar mãos e cotovelos. Também foram aplaudidos de pé no final.
Uma dica: não perca o próximo evento de jazz no Recife. E fique atento com as conexões do estilo com o rock. E, na boa, boa parte da graça da vida advém do fato de não ter medo de ser culturalmente promíscuo. Ou seja, se permitir ver, em um intervalo de três dias, gente tão diferente (e tão igual) quanto Nuda, Camarones Orquestra Guitarrística, David Braid, Irakli de Davrichewy e João do Morro.
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João do Morro, sem comentários…