Auditório da Livraria Cultura. Terceiro dia de palestras do Grito Rock Porto de Galinhas. O público chega aos poucos. O clima do debate do dia anterior ainda repercutia. A platéia, que não demorou a ocupar boa parte do auditório, era formada por músicos, produtores culturais, jornalistas e, mais importante de todos, público consumidor, gente que consome e se interessa por música. Entre os debatedores, os músicos Zeh Rocha e Cannibal, o jornalista Bruno Nogueira e Roger de Renor. O tema, espinhoso, centro de todas as discussões sobre as novas possibilidades geradas pela revolução de se consumir música hoje em dia: Sustentabilidade no Mercado Autoral. Nenhuma resposta pré-fabricada, nada de receitas de sucessos. O que se viu/ouviu foi um monte de gente com interesses em comum querendo saber como será possível viver de música numa época em que nunca foi tão fácil divulgá-la, e jamais, paradoxalmente, tão difícil de sobreviver dela.
Zeh Rocha inicia os trabalhos. Faz um resumo de sua biografia como artista, da época em que era parceiro de Lenine (da banda Flor de Cactus a ida ao Rio de Janeiro) e de como abundava dinheiro a rodo na então polpuda indústria nacional do disco. Tempos em que, segundo ele, a gravadora se dava ao luxo de apostar em um futuro sucesso em disco ainda não gravado, pagando ao compositor um belo adiantamento que, dependendo do estilo de vida do músico, dava para viver na maré mansa por pelo menos um ano. Saudade… Para não perder o embalo, desceu a lenha no Ecad, que classificou como órgão arcaico. O que, de fato, ninguém parece discordar. E alertou para uma tomada de conscientização da classe artística, por vezes (ou quase sempre, em terras pernambucanas) dependente do poder público.
Bruno Nogueira, cujos estudos de mestrado e doutorado navegam justamente na nova construção da cadeia produtiva de música em tempos de Internet, foi rápido, direto e objetivo. Para ele, o processo todo passa por três etapas: a) a cadeia produtiva; b) a conexão entre os agentes dessa cadeia produtiva; c) a proximidade entre público e artista que essa nova cadeia produtiva possibilita.
Roger de Renor, rejeitando os rótulos de apresentador e agitador cultural, reforçou seu desapontamento com o discurso de Renato L no dia anterior, quando o novo secretário de Cultura afirmou que a Rádio Frei Caneca ainda não estava no ar por entraves burocráticos. Deu nome aos bois dos donos de concessão de algumas rádios locais, como Marco Maciel (Rádio Cidade) e Orestes Quércia (Nova Brasil FM), e voltou a afirmar que o monopólio midiático não tem o menor interesse na construção de uma rádio local que rompa com os paradigmas (leia-se jabá) das rádios comerciais. Um tanto ressentido, criticou a escalação de João do Morro no Rec-Beat, classificando o músico de “hype de jornalista que quer convencer a classe média de que aquilo é a legítima representação da periferia, quando não é”. E disse aquela que talvez seja a maior verdade entre todas as dúvidas e questionamentos levantados. “O problema é que somos classe média falando para a classe média e reclamando para a classe média”. Traduzindo, a periferia fica excluída de toda a discussão, metaforicamente, por não se fazer presente nos debates, e fisicamente, por não ver em suas comunidades os shows gratuitos que se tornaram rotineiros no centro, mas ainda distantes da periferia. E, talvez ainda mais grave, por não ter artistas de suas comunidades como atrações desses eventos.
Sobrou para Cannibal o papel que desempenha tão bem: o de agente social e de condutor que tenta ser entre as classes periféricas e os mais favorecidos. Usando o seu Alto José do Pinho como exemplo, nutriu a platéia com informações que ela talvez não esperasse ouvir. Que, por exemplo, o Alto José do Pinho não é o “paraíso dos antropólogos” (a expressão é minha) que tanta gente de classe média acha que é. O crack (tráfico e consumo) anda aterrorizando o local. Ao contrário do que julga o senso-comum, as bandas do Alto José do Pinho não gozam de nenhum privilégio dos poderes públicos (Governo e Prefeitura). Que os perrengues que eles enfrentam para realizar os eventos que teimam em fazer começam na elaboração do projeto até a grana do equipamento do som, que na última hora é cortada.
Um elo era claro ali entre os debatedores, o público e o Lumo Coletivo: a idéia de que a melhor maneira de fazer as coisas é fazendo. Botar o bloco na rua. Juntar forças. Permutar. Detectar necessidades e interesses em comum. O caminho é esse. Como trilhar é o enigma a ser decifrado. E não dá para ser de outro jeito. É abrindo espaço na marra, como Roger fez na época da Soparia e ampliou seu raio de alcance para as rádios e TVs. No trabalho comunitário desenvolvido pela Alto-Falante do Alto José do Pinho. E, por que não, nos estudos acadêmicos e na construção de um diálogo entre universidade e os modus-operandis do mercado musica?l. Especialização só faz bem, venha de onde vier.
O debate aberto ao público foi um show à parte, com direito a intervenção inusitada de José Mário Austragésilo, que conseguiu a façanha de fazer uma síntese surreal de tudo que foi dito na mesa, fazer propaganda do seu programa na Rádio Universitária, dizer para Roger que a Frei Caneca é uma mentira que não vai sair do papel nunca (não, pelo visto José Mário não gosta de concorrência) e de falar para Cannibal que ele, José Mário, é o maior colecionador de Pernambuco de discos de reggae. Não entendi lhufas, mas beleza.
Enfim, depois de toda uma enxurrada de informações de três dias de debates, fica uma única certeza: todos saímos ganhando com essas trocas de idéias e experiências. Ainda que esse ganho não seja palpável, rentável e perceptível em um primeiro momento. Enquanto isso, pé na estrada, protetor solar e rumo a Porto de Galinhas curtir o festival, que ninguém é de ferro!
3 Comments
Que bom que meu ponto de vista é diferente da maioria!!!
Ficaria muito preocupado se fosse o contrário.
Rubro negro, vale a maioria pra quem cara pálida?
Se valesse a maioria vc seria tricolor. :>)
Bruno, eu falei nomes macros(do naipe dos que eu citei), não de guetos.
O parâmetro pra eles é alto, peço alto tb.
Retrofoguetes?!?
Fico com os originais(Ventures, Shadows, Dick Dale), não gosto de cópias.
O Burro Morto dá um banho no Retrofoguetes.
Burro Morto não toca surf music :P
Bem sei, Bruno, por isso são melhores.
A relação que fiz é por ser rock instrumental. :>)