O Cordel do Fogo Encantado versão 2009 tem metais, violões flamencos e toques de jazz. Sua sonoridade está ficando cada vez mais sofisticada. A boa notícia é que, mesmo amplificando o raio de alcance de sua música, seu sotaque permanece legitimamente sertanejo, rústico. Aquele Cordel de dez anos atrás transformou-se em uma banda absurdamente criativa, única. E que emociona pacas. Muito. E, ao mesmo tempo, é também a expressão mais roqueira que possuímos hoje no Brasil. Porque o que aqueles tambores somados ao violão de Clayton Barros conseguem produzir é mais denso e ensurdecedor do que boa parte da cena roqueira nacional. E Lirinha é um ser tão “perturbador” que consegue impregnar com sua alma cada uma das trocentas mil pessoas que o seguem como um Antônio Conselheiro da música. A ponto de fotógrafos interromperem o trabalho porque não conseguiam segurar as lágrimas. Na boa, um show do Cordel do Fogo Encantado, principalmente no Recife, faz você sair dali querendo se tornar um ser humano melhor.
Desabafo feito, vamos tocar o barco em frente. A última noite da décima-quarta edição do Rec-Beat transcorreu, em sua maior parte, em clima de altíssimo nível musical. Foi assim com o excepcional Burro Morto e com Junio Barreto. Sem falar, evidentemente, no Cordel do Fogo Encantado. A coisa só esfriou com a equivocada presença do tango da cantora uruguaia Giovanna, e no confuso show da colombiana Bomba Estéreo, que deu sorte de tocar para um Paço Alfândega lotado e ansioso pela entrada do Cordel do Fogo Encantado.
A noite foi aberta pelos paraibanos do Burro Morto, banda que alia psicodelismo, jazz, samba (ainda que bem discreto), e teclados que remetem ao que de melhor já foi feito pelo Pink Floyd. O resultado disso tudo soa originalíssimo, intenso, hipnótico. Ainda que seja uma banda que prima pelo virtuosismo, o que prevalece é o conjunto, jamais o individual. E, mais espantoso ainda, jamais cai na chatice, no hermetismo barato, na afetação gratuita. Eis uma banda que ainda vai muito longe.
Logo em seguida entrou Junio Barreto, um dos compositores mais talentosos de sua geração. Sem medo de subverter Chico Buarque em “Quando o Carnaval Chegar”, transformando a música em algo ainda mais melancólico (no que a palavra carrega de mais bonito) do que a sua versão original. Isso sem contar com o arranjo arrebatador para a linda “A Mesma Rosa Amarela”, de Capiba. Das de próprio punho, “Santana” e “Amigos Bons” foram as que mais emocionaram. Como sempre no caso de Barreto, um show marcado por um profissionalismo e competência extremos.
Quem destoou um bocado da noite foi a uruguaia Giovanna. Seu tango acabou dispersando uma parte considerável do público. Para piorar, a chuva caiu em boa parte da sua apresentação.
O confuso e esforçado Bomba Estéreo, da Colômbia, se aproveitou do fato de tocar para casa cheia. Nos piores momentos, parecia uma versão um tanto mais cabeçóide dos shows de Shakira. Nos melhores, lembrava o Bomba Estéreo mesmo, o que não quer dizer lá grande coisa. Com o perdão do preconceito, dava muito mais a impressão de coisa paraguaia – no que o termo tem de pior – do que de qualquer outra parte do continente.
Cordel do Fogo Encantado no Recife é Beatles. Ponto. A capacidade de entrega da banda no palco é algo que transcende os limites do humano. Ou, talvez, seu maior mérito seja o de justamente não temer ser despudoradamente humano. Não dá para destacar um momento. Cada segundo de show é relevante, e acho que não conheço banda alguma no mundo capaz de tal proeza. Seja na covardia de “Preta” – que parece feita propositadamente para chorar -, ou em “Evocação Para Um Dia Líquido”, ou “Morte e Vida Stanley”, tudo que é feito ali é permeado por uma palavra: verdade. Eles são exatamente como se apresentam para o público. Nada é forçado. E o repertório cultural de Lirinha é monstruoso. O homem parece que mergulhou na História do Brasil e a transformou em uma obra cujo biógrafo nenhum será capaz de traduzir. Bingo! É dessa nossa incapacidade de traduzir o Cordel do Fogo Encantado que reside toda a força da banda.
É chover no molhado dizer que a participação de Cannibal, vestindo camiseta dos Pixies, foi a personificação perfeita do Brasil dos tempos de Canudos até hoje, como Lirinha explica tão bem a cada vez que toca “A Matadeira”. O Alto José do Pinho, nas palavras do vocalista do Cordel, é o Canudos do presente. Assim como todas as favelas brasileiras o são.
As novas composições, como “Marco Pólo”, mostram um Cordel que evoluiu assustadoramente desde os tempos das pedrinhas miudinhas. Sua obra reflete a doce agonia de quem tem uma fome e sede de conhecimento que só podem ser saciadas através da criação. Seja em forma de teatro, literatura e música. O Cordel do Fogo Encantado, surpreendentemente, juntou as três artes à perfeição e concebeu a sua própria. Não é à toa que emociona tanto. Não é em vão que é tão bonito.
16 Comments
Acho uma bosta.
O Burro Morto é muito foda!
Baixei um epzinho deles, tomara que lancem logo um cd.
eu espero que esse monte de estudantes, filhinhos de painho, classe media ou alta, da tribo parnamirim, fumando maconha, de carro e nao de onibus, dos que acham que conhecem historia-filosofia-marx-lampiao-che… eu espero que eles consigan mudar o brasil. se as letras de cordel ajudam, ainda melhor. se nao for assim, de canudos de ontem pros morros de hoje pra o que amanha?
adoro cordel, mundo livre, chico… mas acho as letras inteligentes demais pro publico, infelizmente. a grande maioria memoriza, danca, pula, grita… e nao aprende nada.
O anônimo que se acha tão inteligente é cheio de preconceito, nada mais burro que isso.
É melhor se esconder mesmo, bicho.
hugo…encontrasse joão do morro por lá!
Sinceramente, não consigo ver todo esse brilho no cordel, nunca consegui, e acho ridícula toda essa mística criada em torno na banda, é ridículo todo aquele “ritual” da chuva, se cantoria fizesse chover bastava o governo contratar esses caras pra acabarem com o problema do sertão não acham?
E não consigo ter sensibilidade o suficiente pra compreender essa galera que diz que choram e que ficam comovidos vendo o cordel tocar.
Não consigo ver nenhuma evolução no som da banda, acho os violões de extremo mal gosto e mal tocados.
A batucada é repetitiva e aguentar toda musica cheia de ôôôôôôôôô é um chute nos ovos…
Galera, é carnaval. É multicultural, pra vc ver no Domingo o Burburinho virou uma boate tocando anos 80. Cordel conseguiu sua formula sonora e seus fãs, meritos pra galera. Também nao curto muito som, mas e dai, vai ficar falando mal dos cara ?! Ah qualé ! Burro Morto foi muito bom. E o Bomba Estereo, fez o pop colombiano. A turma as vezes quer achar significado demais nas coisas.
É, quem quiser que não veja, cada um na sua, mas foi ducaralho! Minha fase de “cordelete” passou há tempos, mas eu fiquei arrepiada quando eles entraram, como ficaria com qualquer banda que amo (BNL) por exemplo, não só por que era Cordel.
É muito estranho chorar ouvindo Foguete de Reis?
=P
a noite (e o festival para mim) valeu pelo show do Burro Morto…..não conhecia até então e curti pra caralho o som dos caras!! legal mesmo, só achei que a banda pode melhorar muito nas suas viagens investindo mais ainda na lisergia e nos improvisos…no final acabou sendo um pouco repetitivo e redondo demais pra proposta, mas me agrada saber que tem uma banda ousada e desafiadora que bebe da fonte de jambands porém com uma cara própria! com certeza essa banda vai pirar muita cabeça ainda!
e pega leve aí com o Cordel, Fred….. a ingenuidade dos fãs da banda não tira o mérito do trabalho deles, que fazem um trabalho muito acima da média que a grande maioria de bandas nacionais!
Bom, eu só pisei ali naquela noite por causa de Cordel do Fogo Encantado. Não sou mais que ninguém pra criticar o gosto de cada um, mas eu concordo (este espaço concede a possibilidade de opinião =P) com a matéria. Cordel é uma luz imensa, a qualidade é perceptivel desde os primeiros acordes e o show foi mesmo histórico. Muitas vezes vi Lira tão verdadeiro, tão entregue. Mas tão limpo assim? Ele estava incrivel, Calado idem, Nêgo… TODOS! Sou fã, creio que seja A ÚNICA BANDA que eu me digo FÃ, e a cada cd, mais emoção, mais verdade.
É válido SIM, emociona sim e a cada show, melhor é, melhor fico e melhor sinto vontade de ser.
\o/
É somente minha opinião, não preciso ter a mesma opinião dos outros, nem concordar com uma resenha feita por um fã.
Acho que esse espaço de comentários está aqui exatamente pra isso.
Rapaz, Lirinha limpo, sei não…
Esse Hugo é um pateta mesmo. Me desculpa a sinceridade Hugo. Essa idolatria toda ai por Cordel do Fogo Encantado e o desprezo pelos artistas de fora provam isso.
Vim defender a Bomba Estereo, que é uma banda que mistura cumbia, bullerentue e champeta, música eletrônica, reggae e hip hop (Você sabia? Se soubesse não diria metade dos absurdos sobre o show dos caras)… A iniciativa deles me lembra bem o que um rapaz andou fazendo por aqui no começo dos anos 90. Eita, é mesmo, te lembrou alguém também? Sem contar no contexto social que eles vivem, lá a música é essa, a mistura é assim…
Mas então… Aposto que tu nunca ouvisse um cd sequer de banda nenhuma que tocou nessa noite, a não ser, do Cordel, que é muito bom por sinal, mas a tua pagação de pau é num momento bem oportuno. 10 Anos de banda, 10 anos de pagação.
Detalhe né:
“O confuso e esforçado Bomba Estéreo, da Colômbia, se aproveitou do fato de tocar para casa cheia. Nos piores momentos, parecia uma versão um tanto mais cabeçóide dos shows de Shakira. Nos melhores, lembrava o Bomba Estéreo mesmo, o que não quer dizer lá grande coisa. Com o perdão do preconceito, dava muito mais a impressão de coisa paraguaia – no que o termo tem de pior – do que de qualquer outra parte do continente.”
O cara tem problemas com a Shakira e com o paraguai… Mas ok… hahaha É por isso que o Brasil não tem uma imagem boa na “latinoamérica”, é, porque américa latina é só pra gente mesmo… A gente se fecha pra américa do sul e comentários nesse tom ai só fecham ainda mais as portas.
Cheio de generalismos, falta de respeito pela cultura do outro, e olha, ele trabalha com cultura… Meu amigo, você não foi preconceituoso não… Você foi um mau exemplo completo.
Me falaram uma vez que você é jornalista (mas isso foi no tempo que o reciferock ainda era site), se for mesmo, só quero te lembrar que “É dever do jornalista: XIV – combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza.” OU DE QUALQUER OUTRA NATUREZA. OU DE QUALQUER OUTRA NATUREZA. O DE CUALQUIERA OTRA NATURALEZA.
Tá no código ;) Mas ok, acho que você não é do meio… Abra o coração meu querido, pare de olhar pro seu terreiro e vá ver o que o seu vizinho está fazendo no quintal da casa dele, talvez a soma possa ser mais interessante ainda.
Mas voltando… Nada contra o cordel, até gosto, acho bem original e gosto mais pelas aulas de história durante os shows. Acho até que isso deve ser herança do mesmo garoto da década de 90 que citava em suas letras os panteras negras, zapata, lampião… enfim.
Mas agora, explica essa relação ai: “É chover no molhado dizer que a participação de Cannibal, vestindo camiseta dos Pixies, foi a personificação perfeita do Brasil dos tempos de Canudos até hoje…”
CANNIBAL + PIXIES + CANUDOS SER A PERSONIFICAÇÃO PERFEITA DO BRASIL DE CANUDOS ATÉ HOJE… enfim… ou Cannibal morreu em canudos ou Conselheiro ouvia pixies… O.o hahahahahaha
“Cannibal com a camisa do pixies – claro, se tivesse com outra camisa ia ser diferente – e é a personificação… Lirinha é o Antonio Conselheiro da música…” logo, logo você arruma uma matadeira contra ele. Quanto exagero.. Realmente, verborragia… blablablagia, blablaísmo… Enfim.
Sou teu fã Hugo, você já é exemplo na academia.
[Aceita esse comentário ai, vamos promover um debate.]
Quem não conhece o que é ensinado nas escolas de jornalismo até acha isso ai bonito demais, mas a gente sabe que 90% do teu conteúdo é besteira. Ou só eu sei?
O que aconteceu ai nessa tua cobertura foi o seguinte, sendo curto e mais grosso: tu foi babar o cordel, mas pra que a coisa ficasse mais pomposa, tu achou por bem pisar nos outros. Fala a verdade.
AH! Eu só fui ler os comentários agora, e vi esse:
Fred disse,
em 26 de fevereiro de 2009 @ 15h27
É somente minha opinião, não preciso ter a mesma opinião dos outros, nem concordar com uma resenha feita por um fã. Acho que esse espaço de comentários está aqui exatamente pra isso.
Se eu tivesse lido antes, teria me poupado de escrever tantas palavras… Realmente, isso aqui é só uma resenha feita por um fã. É tietagem. Mas como já escrevi, tá ai…
Parabens Bruno costa, tambem acho um exagero essa postura de fã em um comentário de um jornalista(presumo que seja),pois bastava citar as qualidades sonoras e das composições do cordel para descrever muito bem como foi o show dele, ainda bem que este foi a últimA apresentação nesse dia,pois senão, vc iria endoidar e não escrever sobre as outras bandas, ne hugo, como ocorreu apos aquela primeira apresentação do dia anterior.
Bem, quanto as apresentãções,perdi a Burrro Morto e se for realmente dessa forma que vc descreveu hugo,lamento por ter perdido.
Já Junior Barreto fez uma boa apresentação e só, pois esperava algo mais dele, tendo em vista que na última vez que tocou no recbeat teve uso de mais instrumentos que deram uma qualidade sonora melhor.
Quanto a Giovanna, constato novamente que Gutie é fanatico por tango, apesar de ser um ritmo com qualidade, mas, por que tem que ter uma atração dessa todo ano e dificilmente temos blues, por exemplo.
A bomba estereo, não posso opinar a respeito, pois nunca ouvi antes e não conheço o que sejam “bullerentue e champeta” citado por bruno costa, então tecer comentários sobre essa atração depois de passar o dia todo em Olinda, fica dificil(acho que lhe vi em olinda nesse dia hugo,então está explicado!).
Por fim o cordel fez um bom show, como sempre, o suficiente para emocionar fãs, mas, muito curto, porem, valeu muito está lá.
O “exepcional” Burro morto além de burros, mal começaram já estão mortos!
O correto nào seria “excepcional”?
será que os burros são eles, mesmo?
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