Cobertura: APR Club com Dunas do Barato e Jorge Cabeleira e o Dia Em Que Seremos Todos Inúteis

Por Hugo Montarroyos em 6 de abril de 2013

Em sua vigésima-primeira edição, o Abril pro Rock decidiu resgatar o APR Club, prévia que serve de aquecimento para os dias de festival. E, de forma inteligente, convidou duas bandas de gerações absolutamente distintas: Dunas do Barato e Jorge Cabeleira e o Dia Em que Seremos Todos Inúteis. O espaço escolhido foi o Downtown, que recebeu um bom público em noite bastante concorrida no Recife, com shows de Rodrigo Barba e de Milton Nascimento no mesmo horário.

A história do Jorge Cabeleira se confunde com  a do Abril pro Rock. Da mesma geração de Chico Science e Mundo Livre S/A, o Jorge Cabeleira pavimentou sua carreira justamente nas primeiras edições do APR. Trata-se de uma das bandas mais enigmáticas do Recife. Apesar do respaldo que teve da crítica na década de 90, não conseguiu se firmar no mercado numa época em que todos os olhos estavam voltados para a capital pernambucana. Mesmo com o disco de estreia produzido por Frejat, o Jorge Cableira nunca chegou a estourar, numa dessas clássicas injustiças da história do rock. Mas marcou época. Em especial no Recife e no Abril pro Rock. E é muito bom vê-los de volta a ativa. A psicodelia de tonalidades nordestinas melhorou bastante ao vivo, ganhou corpo, desenvoltura e – especialmente – maturidade, algo que parecia faltar ao grupo no começo da carreira.

Coube ao “novato” (já são quatro anos de carreira) Dunas do Barato a tarefa de abrir a noite. E fizeram com muita competência. É nítida a influência dos Novos Baianos, mas a banda atira em outras direções, com um quê de blues e de música de cabaré. A vocalista Natália Meira – que se apresentou descalça – tem boa voz e parece já ter bastante experiência no palco. Aqui e ali surgiram alguns problemas técnicos, que foram contornados com bom humor e jeitão de quem está tocando em casa. As letras possuem boas sacadas, e o clima fica muito interessante quando eles aderem ao peso, misturando guitarras que seguem a cartilha de Jimi Hendrix com frevo eletrificado. No mais, cumpriram seu papel: animaram o público que esperava pelo show do Jorge Cabeleira.

O público merece um parágrafo à parte. Enquanto trintões (e até quarentões) saudosos de outros carnavais ocupavam as primeiras filas, gente que nem era nascida quando o Jorge Cabeleira lançou seu primeiro disco circulava pelo Downtown dando a nítida impressão de jamais ter visto um show deles. Devem ter saído de lá com uma ótima impressão.

O tempo fez bem ao Jorge Cabeleira. A banda, que nos anos 90 não chegava a ser um primor ao vivo, finalmente conseguiu transmitir todas as nuances de seus dois discos no palco. Já na abertura, com “12 Badaladas”, ficou claro que a banda faria um show irretocável. Sua marca registrada, a ótima mistura entre o rock psicodélico dos anos 70 e a música nordestina, foi estampada com maestria no show de ontem. “Jabatá e o Diabo”, uma das melhores do álbum de estreia, foi executada com primor. O sanfoneiro Daniel Bento foi convocado para tocar em “A História de Zé Pedrinho” e “Nervoso na Beira do Mar”. Fato curioso: Dirceu Melo se enrolou com a letra de “A História de Zé Pedrinho”, uma espécie – pela temática – de “Faroeste Caboclo” sertaneja.

O cover matador de “Os Segredos de Sumé”, de Zé Ramalho e Lula Cortes, ainda emociona. Assim como a bela versão para “Sol e Chuva”, de Alceu Valença.

Mas é nas composições de punho próprio que o Jorge Cabeleira mostra algo que é cada vez mais raro na música nos últimos anos: identidade.  O Jorge Cabeleira conseguiu configurar uma sonoridade própria se apoiando em elementos diversos como Luiz Gonzaga, Alceu Valença, Lula CortesZé Ramalho, adicionado guitarras pesadas para criar um som único. Está longe de ser pouca coisa.

Quando fecharam o show, com “O Dia em Que Conceição Subiu a Serra”, fui transportado de volta para o Circo Maluco Beleza, no Abril pro Rock de 1996. Fenômeno que só a boa música consegue fazer. E isso, ficou claro, o Jorge Cabeleira tem de sobra.

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