Cobertura: Abril pro Rock – Segunda Noite

Por Hugo Montarroyos em 21 de abril de 2013

A noite pesada do Abril pro Rock foi daquelas para fã algum de metal, punk e hardcore botar defeito. E arrastou uma multidão (cerca de oito mil pessoas) para conferir os históricos shows do Dead Kennedys (mesmo fora de forma, a banda deu seu recado) e Sodom. Sem falar nas voltas triunfais de DFC (que não tocava há 18 anos no festival), Devotos (retornando após ausência de 12 anos no evento) e Krisiun (que tocou pela última vez no Abril pro Rock em 2002). Do lado pernambucano, a boa surpresa foi a banda feminina Vocífera, que faz um Death Metal de deixar muito marmanjo com inveja. O detalhe: mesmo inexperientes (ainda nem fizeram dez shows em sua curta carreira), as meninas do Vocífera peitaram o público do Abril pro Rock com extrema desenvoltura, fazendo um belíssimo show. A única coisa que não consegui entender na noite de ontem foi por que diabos André Matos fechou o festival? Ainda que tenha lá sua importância na história do metal nacional, ele não é nada perto de Sodom e Dead Kennedys. Tanto que muita gente já havia ido embora quando Matos colocou os pés no palco. Só ficaram mesmo os fãs de carteirinha. Fora este deslize, a noite de ontem beirou a perfeição.

Do começo: as meninas do Vocífera abriram com muita dignidade a noite. Apresentando um thrash metal que por vezes descamba para o death metal, Angela Metal (vocal), Lidiane Pereira (guitarra), Marcella Tiné (bateria), Erika Motta (guitarra) e Amanda Salviano (baixo) usaram a experiência que cada uma tinha no undergroun pernambucano em diferentes bandas para realizar um dos shows de abertura mais marcantes da história do Abril pro Rock. Suas composições são bombas que explodem deliciosamente nos ouvintes que curtem música pesada, e elas saíram do palco merecidamente reverenciadas pelo público. Bela surpresa que ainda deve fazer muito barulho por aí. Anotem este nome: Vocífera.

Depois foi a vez do também pernambucano Kriver entrar em cena. Mais experientes e com proposta diferente das garotas, a banda segue a linha Iron Maiden de ser. Ainda que sejam ótimos músicos, pecam um pouco no quesito originalidade. Uma de suas músicas, por exemplo, parece cópia de “Two Minutes To Midnight”, do Iron Maiden. Fora isso, sem queixas. Banda que também não se intimidou com o palco do Abril pro Rock. E, justiça seja feita, são tecnicamente impecáveis.

Já a potiguar Kataphero apresentou um thrash metal mais vigoroso, explosivo e direto. Prova de que Natal é um belo celeiro de bandas do gênero, o Kataphero possuí todas as qualidades que um grupo do estilo precisa: um bom vocalista e uma cozinha certeira de baixo e bateria. E deu a impressão de que muita gente do Rio Grande do Norte veio ver o show deles. Destaque para a ótima “Thanatolatria”, que fechou o set.

A americana Fang foi a primeira banda de legítimo hardcore da noite. E, a partir daí, as rodas de pogo fizeram a festa durante toda a noite. Empolgados, chegaram a dizer em bom português que amavam Recife e tocaram a sensacional “Here Comes The Cops”. O problema foi que o DFC veio na sequência, e depois do show arrebatador dos brasilienses, ficou difícil lembrar que o Fang havia tocado.

O show do DFC foi tão devastador (talvez o melhor da noite) que só as frases proferidas pelo vocalista Túlio renderiam uma resenha à parte. Eis algumas delas: “convido vocês a enfiarem o pau no cu do capitalismo”. “Obrigado, amigos. São 20 anos tomando no cu”. “Feliciano, pastor filho da puta”. E, a melhor delas, cantando a capela “amanheci sozinho / na cama um vazio / meu coração que se foi / sem dizer que voltava depois…” ao dizer que se o mundo fosse uma maravilha eles cantariam música romântica, e não o punk harcore violento que rendeu a maior roda de pogo da noite. Entre os vários momentos de destaque, os que mais marcaram foram “Boletim de Ocorrências”, “Demônios da Fé Cristã”, “Cidade de Merda” – em homenagem a Brasília -,“Vou Chutar a Sua Cara” e “Política 666”, cantada por todo o público. Show perfeito!

Sou o sujeito mais suspeito para falar deles, mas fazer o quê se o Devotos é phoda (com ph de “pharmácia”). Com produção capricahada, com direito a telão no fundo do palco que mostrava ilustrações do guitarrista Neilton, o trio mandou um torpedo atrás do outro, sem perder tempo falando com o público. Pareciam estar com raiva de alguma coisa. E isso, no caso deles, rende shows memoráveis. Abriram com “Nós Faremos Que Você Nunca Esqueça”, emendando com “Caso de Amor e Ódio” e “Rádio Comunitária pra Informar”. Pegaram um público ainda cansado pela apresentação do DFC, e demorou um pouco para que a roda de pogo pegasse fogo no show deles. Mas, pouco a pouco, o público foi ficando mais animado, especialmente na sequência de “O Herói”, “Homem Monstro”, “Alien”, “Vida de Ferreiro”, “Mas Eu Insisto” e “Vida de Ferreiro”. Cannibal falou menos  que de costume, mas foi certeiro: “precisamos valoriza um festival como o Abril pro Rock. Especialmente quando é feito aqui (Chevrolet Hall), onde só rola bagaceira” (se referindo aos festivais de brega que acontecem no local). No mais, encantaram jornalistas de fora que não os conhecia, especialmente quando Cannibal recitou os versos de “Nosso Ninho”: “moramos, não esqueça, esse é o nosso ninho. Quem nunca ouviu falar no Alto José do Pinho. Subúrbio de Recife, Zona Norte, urubu. Se for discriminar o meu lugar, vá tomar no cu”. E, depois de Cannibal  berrar “Abril pro Rock, que saudade do caralho”, emendou com “Eu Tenho Pressa”, que costumava ser a música de abertura nos shows deles no festival. Ainda foram responsáveis por uma roda de pogo só de mulheres (como vem fazendo nos últimos shows) em “Roda Punk” e fecharam com a exaltação de “Punk Rock Hardcore Alto José do Pinho”, com todo o público cantando em uníssono que o punk hardcore feito no Alto José do Pinho “é do caralho!”. Que se dane a suposta e inexistente imparcialidade do jornalismo: tenho um baita orgulho desses caras.

E, enfim, a lenda viva entrou em cena. Ok, Jello Biafra não estava lá. A banda mostrou cansaço. Em determinado momento, o vocalista substituto Ron Greer (que chegou a se jogar no palco), estava literalmente sem fôlego já na metade do show. Tanto que pediu desculpas ao público: “desculpe, mas o punk é velho”. O baixista Klaus Flouride e o baterista DH Peligro pareciam querer que tudo aquilo terminasse logo. E, ainda que o guitarrista East Bay Rey também não estivesse em sua melhor forma, ficou claro que é ele que ainda leva a banda nas costas. Alguns clássicos foram tocados com velocidade bem acima das versões originais, mais uma prova de que queriam se livrar logo do palco. Mas, caramba, tratava-se do Dead Kennedys. E o público não deu a menor pelota para esses deslizes. Ficou claro que a multidão tinha comparecido ao Chevrolet Hall para vê-los. A maior audiência da noite foi, sem sombra de dúvidas, deles. “Buzzbomb”, “Moom of River”, “Nazi Punks Fuck Off” e, principalmente, “California Uber Alles” levaram o público a um transe de insanidade bonito de ver. Foram 14 músicas tocadas em cerca de 50 minutos de show. Ainda que o Dead Kennedys atual pareça uma instituição à beira da falência, ontem, no Recife, para o público, eles ainda eram os reis do punk rock hardcore. Apresentação que certamente entrou para a história de Recife. Melancólico para quem guardava na memória os bons tempos de Jello Biafra. E inesquecível para os que viam a banda pela primeira vez.

O contraste ficou evidente quando o Krisiun entrou em cena. Com sua pegada pra lá de violenta, os gaúchos pareciam ainda melhores do que em 2002 (show que tive o privégio de ver no palco na época). Estão ainda mais raivosos e carrancudos. Ficaram empolgados com a reação do público. “Puta que pariu, tem gente pra caralho aqui”, se admirava o baixista e vocalista Alex Camargo. Com nove álbuns na carreira, o Krisiun fez uma boa síntese de sua longa carreira. A supresa ficou com a execução de “No Class”, em arranjo que lembrava o bom e velho Motörhead. Fora isso, o show deles foi o que sempre pareceu ser: a chegada do juízo final. Sério candidato a melhor da noite.

Depois foi a vez de outra lenda entrar em campo; os alemães do Sodom, que foram recepcionados por um público insano, que premiava o ótimo thrash metal do grupo em infidável roda de pogo. A grande surpresa da apresentação deles foi a execução de um clássico do punk, “Surfin Bird”, imortalizada pelos Ramones. Ao contrário do Dead Kennedys, o Sodom envelheceu bem, e seu show foi irretocável, beirando a perfeição. Deveriam ter fechado a noite.

E aí vem a grande pergunta: alguém (fora os fãs de carteirinha) ainda aguenta ouvir André Matos cantando “Carry On”? Até entendo que a noite precisasse contemplar o público do metal melódico, mas Matos não passa de um simulaco de Bruce Dickinson. Alguém que há anos vive dos restos de fama conquistados em época de Viper e Angra. Um cara que serviu de inspiração para a genial paródia do Masssacration, do Hermes e Renato. Ou seja, o nome menos tarimabado para fechar uma noite tão marcante quanto a de ontem. Tanto que uma boa parte do público já tinha ido embora durante a apresentação de Matos.

Mesmo com essa falha (grave, ao meu ver), a noite de ontem foi uma das mais emocionantes da história do Abril pro Rock. Tanto que a maioria do público (incluindo este que voz tecla) deve estar agora sem voz e com os ouvidos em frangalhos. Ainda que a morte do metal tenha sido decretada pela enésima vez, ontem ele provou que está mais vivo do que nunca. Amém.

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