Cobertura – Abril pro Rock 2015 – Terceira noite

Por Hugo Montarroyos em 26 de abril de 2015

por Hugo Montarroyos

 

Começo pelo fim: infelizmente perdi os três últimos shows. Não vi a local e histórica Câmbio Negro H.C., a suíça Coroner e a sueca Marduk. Motivo? Minha pilha pifou após o excelente show do Ratos de Porão, o nono de um total de doze da noite. É uma verdadeira maratona cobrir todos os shows. Só para calcular, o evento começou perto das 19h, e já passava de uma da madrugada quando decidi encerrar os trabalhos. Ou seja, tudo deve ter terminado por volta das três da matina. Quem puder, por favor, me conte como foi.

Historicamente a noite que mais leva gente ao Abirl pro Rock, não foi diferente ontem. Um bom público foi conferir shows de todas as vertentes do metal, punk e hardcore. Mas, apesar da boa presença, foram poucos os momentos de destaque: a potiguar Cätärro foi surpreendente; o carioca Gangrena Gasosa escreveu um belo capítulo na história do festival, de Pernambuco e do Nordeste; os paulistas do Project 46 pareciam não acreditar no feito realizado (grande show com participação espetacular do público); e o Ratos de Porão foi perfeito. O resto pareceu mais do mesmo. Muitas vezes caricato e artificial. E prejudicados pelo som, que estava muito ruim na maior parte das vezes.

Agora o começo: de Moreno, município da Região Metropolitana do Recife, o trio de grindcore Lepra abriu a noite para um público ainda pequeno, mas extremamente receptivo. Com letras cantadas em típico vocal gutural (em português), o grupo apresentou boas composições como “O Pior dos Pesadelos”. Fizeram questão de afirmar que eram representantes do underground pernambucano, com anos de carreira no circuito independente. Ontem, para eles, foi o dia em que a classe operária chegou ao paraíso. E chegou chegando! Bela apresentação.

A potiguar Cätärro foi sensacional. Já bastante rodados, tendo inclusive feito turnê pela Europa, a banda descomplica tudo e faz um hardcore infernal, com excelente presença de palco, um vocalista talentosíssimo e um discurso feminista e antifascista que soa natural vindo deles. Uma das pérolas ditas em seu show: “Não adianta posar de revolucionário e não lavar a louça. Revolução começa em casa!”. O vocalista é um show à parte, com danças engraçadíssimas e um vocal poderoso. A banda prendeu a atenção do público – já bem maior -do começo ao fim, e foi uma das grandes surpresas da noite. Quando estiverem por aqui de novo, não deixe de ver.

Aí veio a pernambucana Hate Embrace e os problemas começaram. Seu Death Metal amparado por teclados soa forçado, caricato e artificial. Reconheço que o problema pode estar comigo, mas o Detah é um gênero perigoso, onde as bandas caminham numa linha bamba cortante: ou são muito boas (caso raro) ou soam como paródias. Depois que o Massacration surgiu ridicularizando todos os subgêneros do metal, é tarefa quase impossível ser levado a sério por quem não é extremamente fã do gênero. Foi a primeira bola fora da noite.

A segunda (bola fora) atende pelo nome de Almah, banda de Edu Falaschi, ex-vocalista do Angra. Tão pretensioso que a banda entra em cena ao som do tema de Darth Vader, de “Guerra nas Estrelas”. Verdade que o som não ajudou, pois estava confuso e mal se ouvia a voz de Edu embolada com os restos dos instrumentos. Mas é aquilo de sempre: a imitação da imitação da imitação. Tinha lá seus fãs na frente do palco, mas o resto do público dispersou do subIron Maiden que toca subHalloween em que os músicos de formação clássica fazem questão de mostrar que tocam pra cacete. Ou seja, técnica 10 para criatividade zero. Como todos do estilo.

O Gangrena Gasosa, que também enfrentou um som bem embolado, fez história no festival. Seus integrantes não escondiam a satisfação de fazerem o primeiro show da carreira no Nordeste. Oriundos da geração roqueira do Rio de Janeiro do começo dos anos 1990, trata-se da única banda de “Saravá Metal” do mundo. Em outras palavras, é macumba com metal mesmo, com personagens como exu, o diabo e toda apologia ao capeta. Não é difícil saber porquê nunc estouraram, mas é fácil entender os motivos que levaram a ser uma das bandas mais pedidas pelos fãs do Abril pro Rock: o show, além de visualmente muito forte, é de uma competência brutal, com uma sonoridade única que mescla os tambores da macumba com as guitarras do metal. Sem contar clássicos como “Cuidado meu filho, papai vai te matar”, “Chuta que é Macumba” e “O Templo do Pica-Pau amarelo”. Algumas letras eram cantadas pela plateia, e a banda saiu literalmente emocionada de cena. Daqueles shows que vão entrar para história na linha “eu estava no Abril pro Rock quando o Gangrena Gasosa tocou”. Incompreendida em seu tempo, é muito bom saber que o Gangrena Gasosa já trabalha em um novo álbum. Saravá!

Depois foi a vez do Headhunter, banda da Bahia que consegue fazer Death Metal sem cair no ridículo. Os 28 anos de carreira talvez expliquem a competência, autenticidade e carisma. Ainda que o fato de começaram o show de costas para o público fosse o prenúncio de mais uma banda a não ser levada a sério, o Headhunter fez um show muito bom, com vários pontos altos e uma bela interação com o público. Saíram de palco às pressas, com a cortina fechada na cara, pois o tempo urgia e a noite já estava atrasada. Mas que fique registrado que foi um belo show.

Inacreditável mesmo foi o paulistano Project 46. Tanto que o vocalista se perguntava, perplexo: “puta que o pariu! O que foi isso, cara?”. Foi uma das reações mais impressionantes de público em um show do Abril pro Rock. A multidão abriu uma enorme roda de pogo, que não parou em um só instante. Tal qual Moisés abrindo o Mar Vermelho, o Project dividiu o público ao meio, deixando um imenso vazio para ser preenchido por ambas as partes se chocando depois. O som? Avassalador, sem retoques, frescura ou qualquer artifício. Brutal, enfezado, nervoso. Entra para o rol dos melhores shows da história do festival. E foi a primeira vez na vida que vi um baterista dar um prato de sua bateria (peça extremamente cara) para os fãs ao final do show. Sinal de gratidão e de quem sabia que havia feito o melhor show de sua carreira. Sensacional testemunhar isso.

E aí veio o Dead Fish (fazer o que?). Nunca vou entender o que uma banda como o Dead Fish faz numa noite pesada. São inofensivos demais, com guitarras de menos e boazinha ao extremo. Ainda mais depois de tudo que o Project 46 fez. O Dead Fish parecia a mais pop das bandas depois daquilo tudo. Tudo bem, a gurizada gosta, mas aquilo ali é tão desprovido de musculatura que parece trilha sonora de comercial de sabonete comparado com as outras bandas do dia. Era a quarta participação do Dead Fish no Abril pro Rock, e estão lançando o seu sétimo álbum. Deveriam ser escalados para a noite pop. Como, graças aos céus, a turma daqui não é radical, não houve confronto de públicos. Mas em São Paulo, por exemplo, seria impossível a banda e seus fãs saírem ilesos tocando entre o Project 46 e o Ratos de Porão.

Nunca vi um show ruim do Ratos de Porão. E olha que já testemunhei dezenas. Só no Abril pro Rock foi a quinta vez que tocaram. É tanta satisfação garantida que dá para fazer uma resenha só citando os clássicos da banda. E é o que farei. Tocaram, entre outras: “Ascensão e Queda”, Crucificados Pelo Sistema”, “Anarcofobia”, “Vida Animal”, “Morrer”, Difícil de Entender”, “Agressão/Repressão”, “Caos”, “Diet Paranoia” (a surpresa da noite, pois raramente tocam essa música), “Beber Até Morrer” e “Aids, Pop, Repressão, O que Eu Fiz Para Merecer Isso?”. O som estava ensurdecedor, mas nítido.

Depois da avalanche sonora do Ratos de Porão, joguei a toalha. Gostaria muito de ter visto a local Câmbio Negro H.C., banda que embalou minha adolescência e cuja reedição em CD de “Espelho dos Deuses” fiz questão de comprar. Também estava um bagaço humano para acompanhar Coroner e Marduk. Acabei não testemunhando o primeiro show de Black Metal da história do festival.

Talvez seja uma boa ideia reduzir um pouco o número de bandas no próximo ano. E caprichar mais um pouco no som, que derrubou várias apresentações. No mais, Cätärro, Gangrena Gasosa, Project 46 e Ratos de Porão foram fenomenais. E a noite pesada, mais uma vez, comprovou ser a de maior público do Abril pro Rock. Será que estaria na hora de fazer duas noites dedicadas ao tema, cada uma com ênfase em uma corrente específica? Uma noite de punk e hardcore e outra de metal? Ou o grande barato é misturar tudo em um só dia mesmo? Que a cena (e a força) cresça até lá. E que meus ouvidos se recuperem…

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