Cobertura – Abril pro Rock 2015 – Terceira noite

Por Hugo Montarroyos em 26 de abril de 2015

por Hugo Montarroyos

 

Começo pelo fim: infelizmente perdi os três últimos shows. Não vi a local e histórica Câmbio Negro H.C., a suíça Coroner e a sueca Marduk. Motivo? Minha pilha pifou após o excelente show do Ratos de Porão, o nono de um total de doze da noite. É uma verdadeira maratona cobrir todos os shows. Só para calcular, o evento começou perto das 19h, e já passava de uma da madrugada quando decidi encerrar os trabalhos. Ou seja, tudo deve ter terminado por volta das três da matina. Quem puder, por favor, me conte como foi.

Historicamente a noite que mais leva gente ao Abirl pro Rock, não foi diferente ontem. Um bom público foi conferir shows de todas as vertentes do metal, punk e hardcore. Mas, apesar da boa presença, foram poucos os momentos de destaque: a potiguar Cätärro foi surpreendente; o carioca Gangrena Gasosa escreveu um belo capítulo na história do festival, de Pernambuco e do Nordeste; os paulistas do Project 46 pareciam não acreditar no feito realizado (grande show com participação espetacular do público); e o Ratos de Porão foi perfeito. O resto pareceu mais do mesmo. Muitas vezes caricato e artificial. E prejudicados pelo som, que estava muito ruim na maior parte das vezes.

Agora o começo: de Moreno, município da Região Metropolitana do Recife, o trio de grindcore Lepra abriu a noite para um público ainda pequeno, mas extremamente receptivo. Com letras cantadas em típico vocal gutural (em português), o grupo apresentou boas composições como “O Pior dos Pesadelos”. Fizeram questão de afirmar que eram representantes do underground pernambucano, com anos de carreira no circuito independente. Ontem, para eles, foi o dia em que a classe operária chegou ao paraíso. E chegou chegando! Bela apresentação.

A potiguar Cätärro foi sensacional. Já bastante rodados, tendo inclusive feito turnê pela Europa, a banda descomplica tudo e faz um hardcore infernal, com excelente presença de palco, um vocalista talentosíssimo e um discurso feminista e antifascista que soa natural vindo deles. Uma das pérolas ditas em seu show: “Não adianta posar de revolucionário e não lavar a louça. Revolução começa em casa!”. O vocalista é um show à parte, com danças engraçadíssimas e um vocal poderoso. A banda prendeu a atenção do público – já bem maior -do começo ao fim, e foi uma das grandes surpresas da noite. Quando estiverem por aqui de novo, não deixe de ver.

Aí veio a pernambucana Hate Embrace e os problemas começaram. Seu Death Metal amparado por teclados soa forçado, caricato e artificial. Reconheço que o problema pode estar comigo, mas o Detah é um gênero perigoso, onde as bandas caminham numa linha bamba cortante: ou são muito boas (caso raro) ou soam como paródias. Depois que o Massacration surgiu ridicularizando todos os subgêneros do metal, é tarefa quase impossível ser levado a sério por quem não é extremamente fã do gênero. Foi a primeira bola fora da noite.

A segunda (bola fora) atende pelo nome de Almah, banda de Edu Falaschi, ex-vocalista do Angra. Tão pretensioso que a banda entra em cena ao som do tema de Darth Vader, de “Guerra nas Estrelas”. Verdade que o som não ajudou, pois estava confuso e mal se ouvia a voz de Edu embolada com os restos dos instrumentos. Mas é aquilo de sempre: a imitação da imitação da imitação. Tinha lá seus fãs na frente do palco, mas o resto do público dispersou do subIron Maiden que toca subHalloween em que os músicos de formação clássica fazem questão de mostrar que tocam pra cacete. Ou seja, técnica 10 para criatividade zero. Como todos do estilo.

O Gangrena Gasosa, que também enfrentou um som bem embolado, fez história no festival. Seus integrantes não escondiam a satisfação de fazerem o primeiro show da carreira no Nordeste. Oriundos da geração roqueira do Rio de Janeiro do começo dos anos 1990, trata-se da única banda de “Saravá Metal” do mundo. Em outras palavras, é macumba com metal mesmo, com personagens como exu, o diabo e toda apologia ao capeta. Não é difícil saber porquê nunc estouraram, mas é fácil entender os motivos que levaram a ser uma das bandas mais pedidas pelos fãs do Abril pro Rock: o show, além de visualmente muito forte, é de uma competência brutal, com uma sonoridade única que mescla os tambores da macumba com as guitarras do metal. Sem contar clássicos como “Cuidado meu filho, papai vai te matar”, “Chuta que é Macumba” e “O Templo do Pica-Pau amarelo”. Algumas letras eram cantadas pela plateia, e a banda saiu literalmente emocionada de cena. Daqueles shows que vão entrar para história na linha “eu estava no Abril pro Rock quando o Gangrena Gasosa tocou”. Incompreendida em seu tempo, é muito bom saber que o Gangrena Gasosa já trabalha em um novo álbum. Saravá!

Depois foi a vez do Headhunter, banda da Bahia que consegue fazer Death Metal sem cair no ridículo. Os 28 anos de carreira talvez expliquem a competência, autenticidade e carisma. Ainda que o fato de começaram o show de costas para o público fosse o prenúncio de mais uma banda a não ser levada a sério, o Headhunter fez um show muito bom, com vários pontos altos e uma bela interação com o público. Saíram de palco às pressas, com a cortina fechada na cara, pois o tempo urgia e a noite já estava atrasada. Mas que fique registrado que foi um belo show.

Inacreditável mesmo foi o paulistano Project 46. Tanto que o vocalista se perguntava, perplexo: “puta que o pariu! O que foi isso, cara?”. Foi uma das reações mais impressionantes de público em um show do Abril pro Rock. A multidão abriu uma enorme roda de pogo, que não parou em um só instante. Tal qual Moisés abrindo o Mar Vermelho, o Project dividiu o público ao meio, deixando um imenso vazio para ser preenchido por ambas as partes se chocando depois. O som? Avassalador, sem retoques, frescura ou qualquer artifício. Brutal, enfezado, nervoso. Entra para o rol dos melhores shows da história do festival. E foi a primeira vez na vida que vi um baterista dar um prato de sua bateria (peça extremamente cara) para os fãs ao final do show. Sinal de gratidão e de quem sabia que havia feito o melhor show de sua carreira. Sensacional testemunhar isso.

E aí veio o Dead Fish (fazer o que?). Nunca vou entender o que uma banda como o Dead Fish faz numa noite pesada. São inofensivos demais, com guitarras de menos e boazinha ao extremo. Ainda mais depois de tudo que o Project 46 fez. O Dead Fish parecia a mais pop das bandas depois daquilo tudo. Tudo bem, a gurizada gosta, mas aquilo ali é tão desprovido de musculatura que parece trilha sonora de comercial de sabonete comparado com as outras bandas do dia. Era a quarta participação do Dead Fish no Abril pro Rock, e estão lançando o seu sétimo álbum. Deveriam ser escalados para a noite pop. Como, graças aos céus, a turma daqui não é radical, não houve confronto de públicos. Mas em São Paulo, por exemplo, seria impossível a banda e seus fãs saírem ilesos tocando entre o Project 46 e o Ratos de Porão.

Nunca vi um show ruim do Ratos de Porão. E olha que já testemunhei dezenas. Só no Abril pro Rock foi a quinta vez que tocaram. É tanta satisfação garantida que dá para fazer uma resenha só citando os clássicos da banda. E é o que farei. Tocaram, entre outras: “Ascensão e Queda”, Crucificados Pelo Sistema”, “Anarcofobia”, “Vida Animal”, “Morrer”, Difícil de Entender”, “Agressão/Repressão”, “Caos”, “Diet Paranoia” (a surpresa da noite, pois raramente tocam essa música), “Beber Até Morrer” e “Aids, Pop, Repressão, O que Eu Fiz Para Merecer Isso?”. O som estava ensurdecedor, mas nítido.

Depois da avalanche sonora do Ratos de Porão, joguei a toalha. Gostaria muito de ter visto a local Câmbio Negro H.C., banda que embalou minha adolescência e cuja reedição em CD de “Espelho dos Deuses” fiz questão de comprar. Também estava um bagaço humano para acompanhar Coroner e Marduk. Acabei não testemunhando o primeiro show de Black Metal da história do festival.

Talvez seja uma boa ideia reduzir um pouco o número de bandas no próximo ano. E caprichar mais um pouco no som, que derrubou várias apresentações. No mais, Cätärro, Gangrena Gasosa, Project 46 e Ratos de Porão foram fenomenais. E a noite pesada, mais uma vez, comprovou ser a de maior público do Abril pro Rock. Será que estaria na hora de fazer duas noites dedicadas ao tema, cada uma com ênfase em uma corrente específica? Uma noite de punk e hardcore e outra de metal? Ou o grande barato é misturar tudo em um só dia mesmo? Que a cena (e a força) cresça até lá. E que meus ouvidos se recuperem…

Cobertura – Abril pro Rock 2015 – Segunda noite

Por Hugo Montarroyos em 25 de abril de 2015

por Hugo Montarroyos

Foi uma espécie de celebração autorreferente a segunda noite (a primeira no Chevrolet Hall) do Abril pro Rock 2015. As três principais atrações são figuras que dialogam há tempos com o festival. O Pato Fu, cuja estreia foi em 1997, cravava a sua quinta participação. Pitty, que tocou em 2003 e 2004, voltava após um intervalo de 11 anos. E o cultuado dEUS (não resisti), que veio em 1996, repetia a dose agora. Uma pena que o público não tenha comparecido em peso, e a sensação que ficou foi a de que menos da metade da plateia ocupou as dependências do Chevrolet Hall.

As certezas: o Pato Fu, com 23 anos de carreira, continua fazendo shows irretocáveis, agora amparados em um repertório mais pesado que permeia o novo disco, “Não para pra pensar”. Pitty é, de fato, idolatrada aqui. E foi surpreendente ver a maturidade de uma promessa que já se configura em realidade chamada Far From Alaska, um dos melhores shows da noite. De decepcionante mesmo, só o endeusado Boogarins, que fez uma apresentação bem chata.

Partindo do princípio: era de assustar a fila de fãs de Pitty esperando para entrar mesmo antes dos portões serem abertos. É uma idolatria juvenil que parece não ter muitos limites, cujos fãs seguem à risca tudo o que Pitty diz em suas letras. Parecia que a noite seria só dela. Não foi o caso. Mas, quem de fato levantou a plateia foi a cantora baiana..

O primeiro show da noite atrasou cerca de 40 minutos. Depois disso, todos os shows começaram emendados no outro, em dois palcos iguais, sem deixar tempo para o público respirar, numa dinâmica que deve ser seguida por todos os festivais. A lamentar somente as falhas técnicas no ótimo show da banda belga dEUS, que acabou prejudicando um pouco a apresentação deles. No mais, um primor de tecnologia, luz e cenografia nos shows de Pato Fu e de Pitty. O som estava alto demais, mas talvez seja a idade chegando para este que vos tecla.

A noite foi aberta pelos pernambucanos do Kalouv, que faz um belo post-rock (música instrumental, para quem não é da área) com formação clássica de duas guitarras, baixo, teclado e bateria. Tocaram para um público pequeno, mas era visível que alguns ali conheciam a banda. O grupo tocou boa parte do repertório do seu segundo disco, “Pluvero”, que rendia ótimos momentos nas partes mais densas e pesadas, levando o público a uma dimensão psicodélica e caótica sem nunca perder de vista uma sonoridade até de certa forma acessível para os padrões do gênero. Belo show.

Outro show que rendeu bons momentos foi o dos americanos The Shivas. Trio de Portland, a banda tem uma pegada bem surf music, com levadas pop e um rock que pega o ouvinte de jeito. Por vezes soava tão descaradamente pop e indie (no bom sentido) que deu a sensação de ser o grupo mais “Coquetel Molotov” já escalado em uma edição do Abril pro Rock. Destaque para as harmonias (muitas vezes desarmoniosas) vocais do guitarrista e da baterista. Se pintarem por aqui de novo, não perca.

Ok, os goianos do Boogarins são considerados um dos nomes mais relevantes e respeitados da nova safra da música independente brasileira, seus shows são elogiadíssimos pela crítica, mas o que vi e ouvi foi chato e pretensioso. O tipo de música feita para músico e com diálogo e interação zero com o público. Não sei se influenciou o fato de eles tocaram logo após uma atração tão dançante e ensolarada como o The Shivas, mas foi maçante vê-los em ação, e um verdadeiro alívio quando terminaram de tocar.

Às vezes a vida nos reserva algumas surpresas. E foi fantástico constatar que, assim que entrou em cena, o potiguar Far From Alaska colocou todos os que vieram antes no bolso. Com uma proposta interessantíssima que mistura rock ganchudo com música industrial com country com eletrônica com vocais robóticos (ufa!), o Far From Alaska (surpresa!) levou o público ao delírio. E dava para perceber que muita gente conhecia cada uma das canções apresentadas pelo grupo. Não é à toa que vêm chamando tanta atenção. Há tempos não me empolgava tanto com uma banda nova. Não consegui disfarçar um sorriso de orgulho por constatar que uma banda de Natal estava fazendo o melhor show da noite até então. Com duas vocalistas carismáticas, sendo uma delas também dedicada às programações e aquela velha manha de usar uma guitarra tal qual um teclado (técnica muito usada por blueseiros) e uma bela cozinha de guitarra, baixo e bateria, eles devem ter passado boa parte da vida ouvindo Nine Inch Nails. Só que desenvolveram uma sonoridade absolutamente particular, com identidade e carimbos próprios. Sei que é chavão, mas vamos lá: apareceu a próxima grande banda brasileira. Tomara que se confirme como tal.

Os belgas do dEUS têm uma sonoridade bem peculiar Fazem um som oitentista sem soar datado. Ora surge sombrio, meio dark. Ora mais palatável e até pop. E, nos melhores momentos, um cruzamento sensacional e fenomenal de uma explosão conjunta de instrumentos martelando o ouvinte sem piedade, numa combustão que sai da alma dos músicos direto para o público. Dá para entrar no clima, fechar os olhos e se imaginar em outra atmosfera. Infelizmente, tiveram problemas técnicos que atrapalharam bastante sua apresentação, que acabou muito quebrada e com gosto amargo de clímax cortado. Mas quando a coisa funcionava, era pop do mais alto quilate. Coisa fina, de banda com décadas de traquejo e de estrada. Assim na terra como no céu – não resisti de novo.

E veio o Pato Fu com o jogo ganho, embora com muita vontade de mostrar que merecia sair de lá vitorioso. Com 23 anos de carreira e uma coleção de hits distribuídos em sete álbuns, a banda acabou mostrando uma faceta mais pesada, que permeia o novo álbum do grupo, “Não Pare Pra Pensar”. O cenário e as projeções foram um show à parte, e é sempre comovente vê-los tocar “Eu”, do grande Frank Jorge e seu injustiçado Graforréia Xilarmônica. Tecnicamente impecável. Com uma pegada forte que deixou a sonoridade do Pato Fu ainda mais interessante, os mineiros fizeram o melhor – não o mais concorrido – show da noite. A versão esperta de “Ando Meio Desligado”, dos Mutantes, fez a casa inteira cantar a letra de Arnaldo Baptista. Bonito de ver. E fecharam com “Sobre o Tempo”, canção que parece resumir a própria trajetória da banda e o primeiro sucesso da carreira deles.

Passei a respeitar Pitty quando soube que “Me Adora” (aquela do “me acha foda”) não é uma música de amor “estilo dor de corno”, e sim um recado para a crítica especializada. Achei a ideia sensacional. Mas não é para mim. É difícil se identificar com as letras dela quando você é adulto e não uma menina de vinte e poucos anos – ou menos do que isso até. Ainda assim, é preciso dar o braço a torcer: ela tem uma legião de fãs fiéis. Seu novo show também é muito bem produzido, com um holograma do rosto da cantora aparecendo num telão no início, em formato “tron”, recitando poesias sobre o algarismo sete. Foi Pitty entrar no palco para o público literalmente ir ao delírio. A única atração da noite a mexer de tal forma com a plateia. Uma espécie de (perdoem a heresia) Ivete Sangalo do rock. Repito: não é para mim. Mas se Pitty serve como porta de entrada para seu público conhecer outras sonoridades, já está valendo. Sua banda é boa e ela está em uma fase madura da carreira. Mas uma maturidade ainda muito juvenil, infantilizada. Um dia essa garotada vai crescer e terá vergonha de ter sido tão fã assim dela. Normal. É da vida. Se é preciso passar por Pitty para chegar em dEUS, que assim seja.

Cobertura – Abril pro Rock 2015 – Primeira noite

Por Hugo Montarroyos em 19 de abril de 2015

por Hugo Montarroyos

O relógio marcava 21h50 quando a banda de Paulo Diniz resolveu passar o som para a sorte dos poucos presentes no Baile Perfumado, cujos portões só seriam abertos às 22h. De aparência frágil, sentado numa cadeira de rodas e empunhando um violão que mais servia de enfeite, Paulo Diniz era a felicidade em estado puro enquanto o grupo mandava ver “Quero voltar para a Bahia”. Sua voz, frágil e desentoada, decretava: “vou cantar do mesmo jeito que cantei no disco”. Infelizmente (ou felizmente) não foi assim, apesar de Diniz ser responsável pelos momentos de maior emoção da noite. Ver sua passagem de som era um privilégio que aos poucos ia sendo testemunhada por mais gente, uma vez que o público começava a entrar no local e a imediatamente sacar seus celulares para registrar o momento. Pois é, em pleno Abril pro Rock, Paulo Diniz, um dos donos do cancioneiro popular dos anos 1970, provava que tinha público disposto a vê-lo. Uma gente que variava entre jovens e contemporâneos de Paulo Diniz.

Bonito de ver, ainda que Paulo esteja longe da boa forma. Mas cada desafinada, cada atravessada, cada parte de letra que seria deixada de ser cantada por ele em seu show serviriam de deixa para a plateia assumir o lugar dele e cantar em uníssono todas as canções apresentadas pelo mestre, como veremos adiante.

A corajosa ideia de fazer uma noite dedicada somente aos pernambucanos, focada em nomes que despontaram nos 70 como Diniz, Flaviola e Ave Sangria, aliada aos contemporâneos Caapora, Almério e Aninha Martins teve seus altos e baixos. O público, formado por cerca de mil pessoas em local cuja lotação é de três mil e quinhentas, pode até ser considerado bom pela proposta do dia, mas teve um desafio e tanto a encarar: o palco dois. Improvisado do lado esquerdo (da visão do público) do palco principal, era muito baixo, quase no chão, o que impossibilitava a visão dele para quem não estava nas primeiras filas. Fora isso, não houve falhas técnicas graves, e os shows variaram entre o sublime (Diniz e Ave Sangria) e o tedioso, caso de Flaviola. Outra coisa que atrapalhou bastante foi o atraso. O primeiro show começou com quase meia hora a mais do horário previsto, e a catarse provocada por Paulo Diniz – que teve show esticado – fez com que o Ave Sangria encerrasse sua apresentação com o relógio já ultrapassando a marca das três da matina.

A interessante Caapora mostrou uma proposta ousada, de uma riqueza musical inegável e que bebia de várias fontes diferentes, dos pífanos ao rock ora progressivo, ora cru. Nos momentos mais saborosos, parecia um cruzamento de Hermeto Pascoal com Led Zeppelin. Por vezes, pareciam descontruir acordes, técnica difundida mundo afora por Hermeto. Soava regional e globalizado ao mesmo tempo, conduzido por excelentes músicos e (surpresa!) levando ao Abril pro Rock um pequeno público que era literalmente deles. Bela apresentação.

Assim que o Caapora encerrou o show e Paulo Diniz foi anunciado, houve uma pequena correria para a frente do palco principal e flashes de celular começaram a espocar na cara de Paulo Diniz, cujo primeiro show no Abril pro Rock havia acontecido há 15 anos para um público minguado que incluía este que vos tecla. A volta foi triunfante. Mesmo que seu violão só servisse de enfeite (ele não tocou sequer uma nota nele), ainda que estivesse doente e em uma cadeira de rodas, mesmo com sua voz falhando e sem conseguir acompanhar todas as partes de todos os seus hits (impressionante a quantidade de sucessos de seu repertório), o show foi emocionante, levado muitas vezes pelo próprio público, que cantava “Quero voltar para a Bahia”, “Um chope pra Distrair” e “Pingos de Amor”. Feliz, Diniz dizia: “Estou muito feliz de AINDA estar aqui com vocês no Abril pro Rock”. E seguia: “Eu estou com quase cem anos (na verdade tem 75) e tudo começa a cair nessa idade. Cai a perna, cai o braço, cai a rola, cai tudo! Mas continuo feliz de poder cantar pra vocês”. O show teve o maior clima de improviso de mesa de bar, e esse foi o seu grande charme.

A única canção que apresentou que não é de sua lavra foi “Na rua, na chuva, na fazenda”, de Hyldon, música tão poderosa que nem o Kid Abelha conseguiu estragar. E tome “Capim na lagoa”, “O meu amor chorou” e “Ponha um Arco-Íris na Sua moringa”, fechando com o bis de “Quero voltar pra Bahia”. Contra todos os fatores possíveis, deu muito certo. A impressão de quem assistia era a de testemunhar uma parte da história sendo escrita diante de seus olhos. Pena que pareça estar bem perto do fim. Mas foi de arrepiar ver todos pedindo mais Paulo Diniz e o aplaudindo do jeito que o pernambucano de Pesqueira merece. Alguém que, sem dúvida, deveria ter o reconhecimento proporcional ao tamanho e importância de sua obra, que, muitas vezes, é maior do que a própria vida. Saúde, Paulo!

Anunciado como “a revelação de Caruaru”, o competente Almério mostrou segurança e desenvoltura em um repertório centrado em músicas de temáticas regionais e ancorado por uma banda extremamente segura. Performático, foi prejudicado pela altura do palco, e poucos puderam ver de verdade um show que também encanta pelo aspecto visual, com valorização de figurino e passos de dança que pareciam, para Almério, tão fundamentais quanto sua música.

Flaviola merece todo o respeito do mundo. Seu álbum “Flaviola e O Bando do Sol” tem status de cult, ele é sempre mencionado como referência dos músicos mais jovens, mas seu show foi chato e tedioso. Muita psicodelia para quem parecia mais disposto a ouvir o rock direto do Ave Sangria. Algumas frases de Flaviola denunciavam o estado das coisas: “Eu não sabia que tinha público aqui”. E parecia não ter mesmo. “Vocês desculpem qualquer coisa. Foram 19 anos que tiveram três dias para ser ensaiados”. Apesar do belo reforço de Zé da Flauta, Juliano Holanda (baixo) e Juvenil Silva (guitarra) o show teve clima arrastado. Se tecnicamente não houve falhas, era nítida a falta de “cancha” de Flaviola. Foi, disparado, o pior show da noite. Uma pena, mas nem todas as histórias têm um final feliz como a de Paulo Diniz.

A local Aninha Martins, considerada uma das maiores vozes pernambucanas de sua geração, não escondia o entusiasmo de ser escalada para o Abril pro Rock. Ainda que sua voz falhasse vez ou outra (a cantora se apresentou mais cedo em um outro show), ela segurou a peteca e fez uma bela homenagem a Lula Cortes cantando “Canção da Chegada”.

E, enfim, veio o Ave Sangria, banda responsável por tudo que aconteceu em termos de rock na história de Pernambuco (e talvez do Nordeste). Mais afiados por conta dos vários shows que vêm fazendo, os músicos foram de uma desenvoltura e entrosamento fenomenais. Ainda que desfalcados do guitarrista Ivinho, que se recupera de um problema de saúde, o Ave Sangria esbanjou talento, presença de palco, musicalidade e (palavrinha manjada essa) irreverência. O vocalista Marco Polo fez piada. “Eu liguei para Jimmy Page para perguntar se ele poderia substituir Ivinho, e ele disse que não era capaz e sugeriu Paulo Rafael. Então fomos de Paulo Rafael”. Destacar um só momento do Ave Sangria é complicado, pois é o todo que faz sentido. Seja nas partes mais sofisticadas, nos rocks mais diretos ou no sambinha “cafajeste besteirol” de “Seu Valdir”, o Ave Sangria parece que finalmente começou a levar sua volta a sério. Renovados com a presença de Juliano Holanda no baixo, o final apoteótico com “Geórgia” teve pedido de bis, mesmo com o público já pra lá de cansado. O Ave Sangria, assim como Paulo Diniz, deveria ser tombado como patrimônio vivo da música brasileira. Ave!

Cobertura – Cavalera Conspiracy no Recife

Por Hugo Montarroyos em 7 de setembro de 2014

por Hugo Montarroyos

Max e Iggor Cavalera são dois dos maiores nomes da historia da música brasileira. Ponto. Só o que eles (e Andreas Kisser e Paulo Jr) fizeram entre o “Beneath The Remais” (1989) e o “Roots” (1996) já os credenciariam a um lugar no Rock Roll of Fame. Mas, como são brasileiros, provavelmente só terão seu merecido reconhecimento depois de mortos. É a triste e mórbida realidade nacional que rege a relação entre o público e seus ídolos.

Aliás, chegava a ser engraçada a demonstração de afeição do público pernambucano em relação aos irmãos Cavalera. Quando a Van que trazia a banda surgiu no pátio do Clube Internacional, muitas pessoas correram atrás para tentar falar com a dupla. Detalhe: a grande maioria dos tietes era formada por homens com idades que variavam entre os 30 e 4o anos. E o fenômeno é bem fácil de ser explicado. Recife jamais viu o Sepultura em sua formação clássica no auge da carreira. O mais próximo que chegou disso foi através da figura de Max Cavalera, quando apareceu duas vezes na capital pernambucana: em 1997, para homenagear Chico Science em uma jam histórica com a Nação Zumbi no Abril pro Rock; e em 2000, quando ele tocou com o Soulfly, no mesmo festival. Eu dei um pouco mais de sorte. Presenciei o show do Sepultura no Hollywood Rock de 1994, aquela histórica apresentação em que Max foi preso acusado (injustamente) de desrespeitar os símbolos nacionais. Não à toa, desde que foi anunciada a formação do Cavalera Conspiracy, em 2007, era grande a expectativa para que tocassem no Recife. E a espera terminou ontem, numa noite um tanto esquizofrênica para o mercado de shows da cidade.

Ao mesmo tempo em que acontecia o MIMO, em Olinda, outras atrações bem distintas dividiam a atenção do público: a mais que sofrível banda Sedutora gravava seu DVD no Clube Português, enquanto que O Rappa e Raimundos se apresentavam no Chevrolet Hall. Junte-se a isso tudo a previsão de uma chuva torrencial para as próximas 24 horas na capital pernambucana e o resultado foi um público abaixo do esperado para ver o Cavalera Conspiracy, que deve ter ficado entre 800 ou mil pessoas (até a conclusão do texto, o público oficial ainda não havia sido divulgado). A boa notícia é que o público feminino aumentou bastante. Antigamente, shows de metal costumavam ser majoritariamente frequentados por homens. Agora, graças aos céus, a mulherada tem marcado presença em apresentações do estilo.

Em relação ao Cavalera Conspiracy, a proposta é interessante: mostrar material novo recheado com músicas (várias delas retalhadas) do Sepultura na clássica dobradinha Iggor na bateria e Max nos vocais. Em certos momentos, chega a emocionar. Em outros, parece cansativo e datado. Quando Max tenta soar como o Bob Marley do metal, a coisa desanda de vez. Mas, no geral, ainda que Max enrole mais do que toque – o guitarrista Marc Rizzo e o baixista Tony Campos seguram a onda na maior parte do tempo – em momentos como “Beneath Remains”, “Inner Self”, “Arise”, “Refuse/Resist”, “Territory”, “Atittude” e “Roots Bloody Roots” o negócio esquenta. E muito. Se a nova faixa de trabalho, “Bonzai Kamakazi”, está muito aquém de tudo que o Sepultura já produziu, uma simples audição de retalhos de “Desperate Cry” e “Dead Embryonic Cells” coloca tudo nos trilhos, e faz o projeto valer a pena. Na verdade, a impressão que fica é que o Cavalera Conspiracy é uma desculpa para Max e Iggor tocarem os clássicos do Sepultura para compensar os dez anos em que ficaram afastados um do outro.

Foi de arrepiar ver toda a plateia cantar “Attitude”. E, a cada clássico do Sepultura, senhores de mais de 30 anos se empolgavam a ponto de entrar na roda de pogo, que, por várias vezes, foi aberta durante o show.

Bem, houve também a abertura dos paulistas do Capadócia, que fazem um trhash metal bem competente, mas que foram bastante prejudicados com a má qualidade do som durante sua apresentação. E que foram solenemente engolidos pelo Cavalera Conspiracy, fazendo com que pouca gente ali lembrasse que havia acontecido um show de abertura.

No geral, o Cavalera Conspiracy vale pela oportunidade de resgatar a memória afetiva de um tempo que jamais voltará, mas que, de certa forma, permanece intacto nas batidas de Iggor e na voz cavernosa e presença marcante (mais gordo, mais velho e parecendo um mendigo do metal) de Max Cavalera. Aquele que, ao lado de Arnaldo Baptista, é o maior nome do rock no Brasil de todos os tempos. Está longe de ser pouca coisa.

Cobertura: Guns n’ Roses no Recife

Por Hugo Montarroyos em 16 de abril de 2014

por Hugo Montarroyos

E eis que após 23 anos da primeira visita do Gun n’ Roses ao Brasil, em 1991, a banda, enfim, pisou em solo recifense. Ou pelo menos o que sobrou dela. A capital pernambucana ainda deu a sorte de contar com a presença de Duffy McKagan, baixista da formação original. Além dele, apenas o rechonchudo Axl  Rose faz parte do núcleo base da banda. O tecladista Dizzy Reed, embora esteja no grupo há bastante tempo, entrou no Guns seis anos após a formação da banda. Aliás, o time atual, que tem, além de Axl Rose, os guitarristas Richard Fortus, Ron Bumblefoot Thal e DJ Ashba; os tecladistas Dizzy Reed e Chris Pitman; e o baterista Frank Ferrer, mostrou-se coeso e muito bom de palco.

Recife não deixará apenas más recordações (como o assalto à esposa do guitarrista Richard Fortus) para o Guns. Eles levarão daqui a lembrança de um público que lotou o Chevrolet Hall e que cantou em uníssono boa parte das músicas do grupo. Sem falar da paciência de monge budista que foi exigida dos fãs.
O Guns n’ Roses atrasou o seu show em exatas 1 hora e 57 minutos. Tempo em que muita gente vaiou e xingou Axl de todas as formas possíveis e imagináveis. Quando a coisa já beirava o limite do insuportável (você perde a paciência até com os Beatles diante deste tempo de espera) eles surgiram e quase colocaram o Chevrolet Hall abaixo.

Antes disso, bem mais cedo, começaria aquilo que quase foi uma comédia de erros. Às 21h em ponto, todas as luzes do palco se apagaram, e muita gente gritou e sacou seus celulares achando que era o Guns n’ Roses. De repente entra em cena uma banda que ninguém (a não ser a imprensa) sabia quem era, e começa a tocar sem ser anunciada e sem os integrantes dela se darem ao trabalho de se apresentar. Só depois de três músicas é que o vocalista, muito timidamente, disse que eram a banda Vatz, de Fortaleza. E foram 11 músicas que duraram 56 intermináveis minutos, cuja única parte que realmente empolgou o público foi o cover (claro) de “Seven Nation Army”, do White Stripes. Quando anunciaram que tocariam a última, o público levou as mãos aos céus em um gesto que queria dizer (e muita gente até verbalizou) um grande e típico “graças a Deus”.

E aí começou a longa espera. Tempo para dar um geral no perfil do público. Boa parte era formado pela minha geração, que pegou o auge da carreira do GNR. Mas impressionou bastante o fato de ter muita gente presente que sequer havia nascido quando a banda esteve no Brasil pela primeira vez. Era um verdadeiro festival de clones femininos de Axl Rose, com direito a lencinho na cabeça e tudo. E, cá pra nós, era bem bonitinho e engraçado de ver. Um fato curioso é que boa parcela do público parecia desconhecer completamente algumas músicas do set list, num total de 34 canções tocadas, incluindo aí os solos individuais de cada membro do grupo e as intermináveis jam sessions. E o show, que teve momentos de catarse, pecou por ameaçar, ameaçar e jamais engatar a quinta marcha. Quando parecia que chegaria ao clímax, era interrompido de forma desanimadora, seja nos longos solos ou nas chatíssimas músicas de “Chinese Democracy”, talvez o disco mais equivocado da história do rock. Bem, vamos por partes.

Após quase duas horas de espera, entra em cena um Guns n’ Roses produzido para dar espetáculo, com palco que contava com três telões e pirotecnia (explosões como as que o Kiss usa em seus shows) que soou mais patético do que eficaz.  Abriram o show com “Chinese Democracy”, surpreendentemente cantada pelo público, e emendaram com “Wellcome to the jungle”, o primeiro (de muitos) momento catártico da noite. A banda é, de fato, bastante competente. E chega a emocionar ver Duff em cena. Ele e Axl definitivamente deixaram de lado todas as rusgas do passado. Na sequência veio “It’ so easy”, em que Axl anunciou o baixista como “um cara novo do grupo”. Para meu espanto, “Estarnged” também foi recebida com fervor. Na hora de “Rocket Queen”, um dos melhores momentos da noite, uma menina (as feministas que me perdoem) subiu nas costas do namorado e pagou peitinho para geral e arquibancada, imagem que, enquanto escrevo, já deve estar bombando nas redes sociais da vida.

Mas a partir daí o show começou a mostrar problemas, o maior deles sendo a falta de “sequências de tirar o folêgo”. A cada bloco de cinco ou seis músicas, Axl, malandro velho, dava um jeito de descansar um pouco. Seja nas duas músicas cantadas ( com justiça) por Duff (“Attittude e Raw Power”) ou nos longos, desnecessários e desinteressantes solos dos músicos. Foram vários, como você pode conferir no set list abaixo.

Curioso foi o resgate de “Nice Boys”, da primeiríssima fase da banda, e que pareceu desconhecida de 90% do público. Outra grande música, “My Michelle”, passou quase que batida por boa parte dos presentes.
Não dá para negar que Axl está envelhecido e um tanto fora de forma. Mas é inegável sua entrega no palco. Ainda tem, mesmo que de forma discreta, a dança da lagartixa, o microfone sendo usado “em forma de bastão indígena para afugentar os maus espíritos” e a voz de “mulher louca que foi possuída pelo capeta”, embora esta falhe vez ou outra. Também é meio chato ver Axl no piano tentando (ainda) desesperadamente soar como Elton John, mas faz parte de todo jogo de cena.

Em alguns momentos isolados do show, a sensação que se tinha era a de estar testemunhando a melhor apresentação já realizada por qualquer artista no Recife. Em outras, a realidade voltava, cruel, e nos dizia com todas as letras que estávamos vendo um artista que há muito deixou de ser relevante e que vive de reconfigurar a si próprio. Ou, como diriam os mais radicais, de um grupo que virou cover de si mesmo.

Mas, em compensação, quando vieram “You could be mine” e “Sweet Child O’ Mine” (aquela que Pedro Bial cretinamente chamou de “canção de ninar metaleiro” na cobertura do Rock n’ Rio 2), era como se uma máquina do tempo nos levasse de volta ao final dos 80 e início dos 90. Coisa que só grandes músicas são capazes de fazer. E isso, justiça seja feita, o Guns n’ Roses tem de sobra.

No fim das contas, entre altos e baixos, erros e acertos, ingressos e bebidas absurdamente caros, som que por vezes não foi lá essas coisas, ainda é preferível vê-los ao vivo do que em DVD no conforto do lar.

Só que na próxima vez, veja se não atrasa tanto, Axl. Ainda que você não concorde com isso, Paul McCartney, que é muito mais importante do que o senhor, trata o público com muito mais respeito e pontualidade. E, ainda que o senhor cante “Live and Let Die”, você não é, definitivamente, o Paul MCcartney, mas apenas Axl Rose. Contente-se com isso que já está de bom tamanho.

Setlist do show de Recife:

1 Chinese Democracy
2 Welcome to the Jungle
3 It’s So Easy
4 Mr. Brownstone
5 Estranged
6 Nice Boys
7 Rocket Queen
8 Attitude
9 Raw Power
10 My Michelle
11 Better
12 Solo de guitarra de Richard Fortus
13 Live and Let Die
14 This is Love
15 Solo de piano de Dizzy Reed
16 Catcher in teh Rye
17 You Could Be Mine
18 Solo de guitarra de DJ Ashba
19 Sweet Child O’ Mine
20 Solo de piano de Axl Rose/ Jam instrumental
21 November Rain
22 Abnormal
23 Don’t Cry
24 Usede to Love Her
25 Civil War
26 Schacler’s Revenge
27 Knoning’ On Heaven’s Door
28 Jam instrumental
29 Nightrain

Bis:
30 Jam instrumental
31 Patience
32 The Seeker
33 Jam instrumental
34 Paradise City

Resenha – DMINGUS – Fricção

Por Hugo Montarroyos em 13 de novembro de 2013

Dmingus

 

A música que DMINGUS faz é daquelas que não se encaixam fácil em qualquer rótulo. Introspectivo, DMINGUS é mestre na arte de produzir álbuns em que grava todos os instrumentos. Faz isso desde 1993, época em que gravava inacreditáveis fitas K-7 em que era responsável por tudo. Seu trabalho ganhou um pouco mais de visibilidade quando fez parte da Monodecks, na metade da década passada. Mas, de uns anos pra cá, vem fazendo de seu quarto o seu estúdio. Volta e meia, é selecionado para tocar em algum festival. E aí surge o principal problema: é muito difícil transpor para o palco todas as nuances de seus discos. Este processo deve ficar ainda mais complicado com este “Fricção”, álbum que lança agora.

A primeira imagem que me vem é a seguinte: imagine que Arnaldo Baptista começou a compor hoje, tendo à sua disposição toda a tecnologia que não existia em sua época. Junte-se a isso uma formação clássica em filosofia (DMINGUS, o homem, é formado em Filosofia) nas letras e o que você irá encontrar é um típico disco em que qualquer diretor de gravadora soltaria a clássica expressão “suicídio comercial”.

Se há uma coisa que DMINGUS não pode ser acusado é de falta de ousadia. Aliás, ele até abusa dela. Alguns títulos de canções dão uma ideia da coisa, como “Vendo um meteoro passar”, “Frágil penugem nos ares gelados” e a auto explicativa “Autossabotagem”.

“Fricção”, o disco, é onírico do começo ao fim. Parece trilha sonora para alguma viagem de ácido (nunca tive uma, mas deve ser assim). É perturbador e incômodo. Se sua praia for música pop, fique longe dele. Mas, se você se arriscar pelas 12 faixas do álbum, vai dar de cara com joias como “Trêmulo”, que soa como algo esquisitamente pop, como o Radiohead fez com Kid A. Batidas hipnotizantes, teclados espertos e baixo climático. Ou “Estrela do oriente”, que mistura regionalismos do Nordeste brasileiro e ares asiáticos.

Para ter uma vaga noção, em “Eno” DMINGUS começa cantando “Põe pra tocar esse disco de Brian Eno, ele deixa o ambiente tão zen,  cheio de possibilidades estéticas”, em voz que aos poucos vai ficando incompreensivelmente robótica. É disco para quem não tem medo de estranhamento. Para quem curte Bergman e Kubrick. Típica obra de quem está preocupado apenas em agradar a si. Com todas as qualidades e defeitos que tal proposta abrange. O critério entre o tédio e o encantamento é separado por uma linha praticamente invisível. Não é para qualquer ouvido. E DMINGUS sabe disso.

Cotação – Bom

Cobertura – Festival Experimental de Música

Por Hugo Montarroyos em 2 de novembro de 2013

É impressionante como uma mesma banda pode soar extremamente diferente em circunstâncias distintas. A única referência que eu tinha da curitibana A Banda Mais Bonita da Cidade era o show que eles fizeram no Abril pro Rock do ano passado. E, naquela ocasião, achei a banda boba. Cheguei a comentar que tudo que eles faziam (em termos de arranjos) parecia uma colcha de retalhos do “The Bends”, do Radiohead, embalado em letras tragicômicas, a maioria bem ruim, por sinal.

Pois não foi o que vi ontem, no Teatro de Santa Isabel, no encerramento da segunda edição do Festival Experimental de Música. Ali, tudo fez sentido. A banda demonstrava um nível de profissionalismo incrível. A vocalista Uyara Torrente era um show à parte, dona de um domínio de palco digno de veterano. Ali cheguei a algumas conclusões: em 2012, a banda estava na hora e no lugar errados. Explico: tratava-se dos 20 anos de Abril pro Rock, em noite em que abriram para o Los Hermanos, no dia de maior público da história do festival: 15 mil pessoas. Ou seja, todo mundo estava lá, enlatado feito sardinha no Chevrolet Hall, para ver o Los Hermanos. A Banda Mais Bonita da Cidade parecia deslocada. Desnecessária, até.

Ontem, enfim, tocaram para um público que era deles. Em um dos teatros mais bonitos do Brasil. E fechando uma programação que primou por gente que ainda está bem no começo da carreira. Ou seja, tinha tudo para dar certo. E deu. E muito!

Ao começo: antes de tudo, vale salientar que é muito bacana ver um festival produzido por um pessoal tão novo. E, melhor ainda, testemunhar o interesse do público por tal evento. E, ainda melhor, apostar em nomes que ainda estão longe do grande circuito local. O horário é que foi bem ingrato. Talvez por uma questão de pauta do Teatro de Santa Isabel, os shows começaram muito cedo, por volta das 18h. É quase inviável tocar para um público maior numa sexta-feira em tal horário. Uma pena, pois justamente por isso perdemos a primeira apresentação, da violinista Zasha Greige. Nossas sinceras desculpas e a promessa de que não perderemos a próxima.

Depois foi a vez de Romero Ferro. É complicado falar de alguém com tão pouco tempo de carreira. Em determinado momento do show, Romero disse: “essa é minha composição mais antiga. Tem três anos”. Como Romero tem 22 anos, é de supor que a tenha escrito com 19. Justiça seja feita, o cara sabe cantar – o que, em Pernambuco, já pode ser considerado louvável. Mas ficou clara a inexperiência ao atirar para todos os lados. Seja com o teclado irritante que tenta remeter aos anos 80, ou na tentativa de fazer um pop romântico, ou em dispensar a banda inteira para tocar sozinho com o violão (bem desafinado) em punho.  Romero sofre de falta de identidade. Seu caminho ainda não está muito claro. Conseguiu driblar bem os problemas que teve com o som no início do show (que estava muito alto), mostrou desenvoltura e tal. Mas parece um bocado verde ainda. No mais, foi interessante a participação especial da cantora Vanessa Oliveira, um bom nome da nova safra pernambucana.

Já Heitor (que faz parte da banda La Cambada) entrou em cena com pinta de veterano, acompanhado de ótima banda, com o auxílio luxuoso de uma trompa que dava um requinte maravilhoso a todas as canções. Lançando o EP “Aconchego”, seu som parecia mais consistente e maduro do que o de Romero Ferro. Até o momento em que resolveu tocar “Geni e o Zepelim”, de Chico Buarque. Estava indo bem, até que tropeçou na letra, pediu desculpas, tentou retomar e confessou: “não vai rolar, galera. Foi mal. Essa é pro Recife Rock falar mal amanhã! Estou muito nervoso”. Heitor, meu velho, é o seguinte: até Chico Buarque esquece as letras dele. Não esquenta com isso! Mas a verdade é que Heitor esquentou e, a partir daí, começou a ter dificuldade em encaixar sua voz de forma correta em todas as canções. Parecia não encontrar mais o tom. Ainda chamou a namorada, Maria, tecladista do La Cambada, para cantar com ele, o que garantiu o “momento fofo” do show. Fez uma versão para “A Outra”, do Los Hermanos. Depois do festival, fui conversar com Heitor e me surpreendi ao constatar como ele ainda tem cara de moleque. Em certo sentido, embora mais “maduro”, o problema de Heitor é o mesmo de Romero Ferro: falta de experiência. E isso, não tem fórmula mágica, só o tempo dá.

E veio, enfim, A Banda Mais Bonita da Cidade. E o desnível ficou evidente. Perto de tudo que veio antes, os curitibanos pareciam ter anos e anos de estrada. Abriram com “Potinhos”, que foi cantada por todo o público. E ali deu para perceber que o clima era perfeito para a banda. A vocalista, a ótima Uyara Torrente, tem formação teatral, o que a deixou, literalmente, se sentindo em casa. A banda revelou-se perfeita para tocar em teatros. Ainda que a certa altura do campeonato o guitarrista Rodrigo Lemos tenha pedido desculpas pela “barulheira”, Uyara emendou em seguida: “Que nada! Vamos deixar essas formalidades de lado”. “Mercadodrama” foi outra canção que também foi cantada em uníssono. A intenção da banda, segundo a própria Uyara, era mostrar as canções do novo disco, “O Mais Feliz da Vida”, o segundo da carreira. Mas não houve tempo suficiente para isso. Em compensação, deu para chamar Tibério Azul (talvez o artista pernambucano de sua geração que tenha melhor amadurecido ao longo dos anos) para cantar “Lá Em Casa”, composição de Tibério em parceria com os curitibanos. E veio, então, em duas partes, o começo do fim. Na primeira parte, Uyara chamou todas as atrações anteriores para “bagunçar” e participar da última música, ao que foi prontamente atendida. E, depois, com “Oração” sendo cantada por todo o teatro, Uyara desceu do palco, acompanhada pelo baterista Luis Boursheidt, que, tal como integrante de bateria de Escola de Samba tocando surdo, fez o público todo ir atrás deles, em um dos finais de show mais bonitos que já vi. E assim foi, todo o público, atrás da Banda Mais Bonita da Cidade até a entrada do Teatro de Santa Isabel, onde “Oração” continuou ecoando por um bom tempo. E foi bonito de ver. Bonito como A Banda Mais Bonita da Cidade…

Cobertura: Coquetel Molotov 2013 – Segundo dia

Por Hugo Montarroyos em 20 de outubro de 2013

Nunca, na história do Coquetel Molotov, a faixa etária do público foi tão baixa como na noite de ontem. Por vezes, mais parecia que estávamos numa matinê do que num festival de música. O grosso da plateia, que lotou o Teatro da UFPE, podia ser resumido da seguinte forma: meninas entre 15 e 20 anos. Algumas acompanhadas dos pais (havia até uma cor de pulseira específica para identificar os menores de idade). E a razão de tal demanda era uma só: Clarice Falcão.

E a explicação do seu sucesso por essas praias pode ser explicada por vários fatores: o fato de ter ficado nacionalmente conhecida com o Porta dos Fundos. O comercial do Pão de Açúcar, veiculado em horário nobre na TV. Ser pernambucana e filha do diretor João Falcão. E, finalmente, sua capacidade de conseguir se comunicar com um público que se identifica fortemente com ela. Todas as músicas de Clarice parecem saídas direto de algum “querido diário”. Para quem é mais novo, vale a explicação:  nos anos 80 e 90, toda menina possuía uma agenda que chamava de “diário”, onde recortava e colava artigos que achavam interessantes, fotos de galãs da época e confissões que elas só tinham coragem de revelar ali, naquelas páginas. O que Clarice fez, e de forma bem inteligente, foi abrir sua agenda e transformá-la em canções. Acho que é por isso que tem tanto apelo entre as adolescentes. O que explica, também, o natural desdém de quem é mais velho.

Novamente perdemos as atrações da Sala Cine PE, mas desta vez foi proposital. Nosso foco era guardar as energias para focar as atenções nos artistas que se apresentariam no Teatro da UFPE. Afinal, o primeiro dia atrasou bastante, e Rodrigo Amarante terminou seu show após as três horas da manhã.

A segunda coisa que ficou nítida na segunda noite (além do perfil do público) foi a disposição do teatro. A produção optou por colocar grades na frente do palco, para evitar invasões. Mas, mesmo assim, isso não evitou que uma garota visivelmente alterada subisse para abraçar Clarice e tentar cantar com ela. Deu azar de invadir no meio de uma música que não conhecia. “Não conheço essa”, disse ao microfone, antes de ser expulsa pelos seguranças. Ao final do show, triunfante, berrava para todo mundo ouvir na saída do teatro: “Foda-se a sociedade! Eu toquei em Clarice Falcão!” Era este o nível de idolatria.

Quem abriu a noite no Teatro da UFPE foi a ótima Bixiga 70, de São Paulo. Com formação que incluía dez músicos, sendo quatro metais, duas percussões, guitarra, baixo, bateria e teclado, o grupo colocou o público todo para dançar ao som de algo que mais se aproximava ao fusion, com bastante influência de música africana, jazz e ritmos latinos, tudo tocado com muita personalidade e estilo próprio. O público fez até trenzinho, que circulava por todas as dependências do teatro. “Nós somos crias da música de Recife”, diziam. E, para provar, finalizaram com uma versão psicodélica e quase hardcore de “A Missa do Vaqueiro”, clássico de Luiz Gonzaga. Estava selada ali a melhor apresentação desta edição do Coquetel Molotov.

Depois foi a vez do americano Perfume Genius. A banda, que se apresenta em trio (teclados, programações e bateria) é na verdade um projeto pessoal do músico Mike Hadreas. Suas canções são minimalistas, algumas verdadeiras joias de pura beleza. Outras resvalam para o tédio. Muitas vezes, ficamos na fronteira entre achar tudo genial ou genuinamente golpe, o tipo de música que é fácil de fazer com o mínimo de esforço necessário. Tudo que tocaram me remeteu a “Videotape”, do Radiohead. Parece que o Perfume Genius pegou tal música e a multiplicou em várias outras. De surpreender mesmo foi constatar que havia alguns fãs na frente do palco. É o típico show que cresce bastante em teatro, com iluminação propícia para criar um clima bem deprê a tudo que era tocado ali. Foi um contraste tão grande com o furacão do Bixiga 70 que chegou a ser desconcertante.

Mas, para mim, a grande decepção da noite foi o Metá Metá, que nada mais é do que um grupo de samba rock que tenta desesperadamente soar original mas que acaba passando a impressão – como bem comentou uma amiga – de soar como clone de Clara Nunes em versão mais moderna. A expectativa era tanto em torno deles, tantos músicos haviam falado que a banda era maravilhosa, que, sinceramente, esperava bem mais deles. Verdade que o show terminou melhor do que começou, mas só empolgou mesmo nas duas últimas músicas. E o grande destaque da banda é a baterista Priscila Brigante. No mais, nada demais.

E finalmente chega o momento pelo qual todos aguardavam com uma ansiedade típica dos adolescentes. A reação do público chegou a me lembrar, em vários momentos, a das fãs do Restart. E então surge Clarice Falcão, vestida com uma capa de chuva preta e um guarda-chuva enorme, também preto, aberto. Era uma referência a um de seus sucessos, uma música que contava a história de uma menina (ela, claro) que bebeu rios de álcool até corroer o fígado por conta de um fracasso amoroso. Há de se fazer justiça: a banda que a acompanha é muito boa, e Clarice realmente tem domínio de palco e controla o público. Mas é difícil embarcar na onda se você foge do padrão “menina de 16 anos que levou um fora e quer colocar tudo para fora em canções que soam tragicômicas”. Alguns versos são constrangedores, do nível “queria ser o pinguim da sua geladeira, eu ficaria parada a semana inteira”. Mas a identificação com a meninada é impressionante, e todas cantam em uníssono, como se tivessem vivenciado tudo que Clarice canta. Já na terceira música, ela se despe da capa de chuva e nos mostra o seu figurino: um vestido branco fofo, que a faz parecer uma debutante. Arrisca um discurso politizado: “O Porta dos Fundos me deu várias alegrias, mas a maior delas foi quase ser processada pelo Marcos Feliciano”. Quis ser “fofa” o tempo todo: “Estou muito feliz por tocar no Recife, porque, além de ter nascido aqui, foi onde fiz meu primeiro show, com quatro anos de idade, na sala da minha casa, segurando uma escova de cabelo no lugar do microfone e cantando clássicos da MPB como ‘lá vem o negão cheio de paixão”. E arrematou: “que bom que a escova se transformou num microfone de verdade”. O que é espantoso é que todos ali conheciam todas as letras de “Monomania”, disco de estreia de Clarice. E todas ali, sem saber, estavam cantando coisas que teriam, se tivessem crescido antes da internet, anotado em seus queridos diários. O segredo de Clarice é mostrar despudoradamente a sua agenda e não ter medo de parecer o tempo inteiro uma menininha boba e engraçadinha de 15 anos. Ela é uma espécie de Restart da MPB. Já desfruta de uma popularidade que, por exemplo, Mallu Magalhães jamais terá. Resta saber, como todo fenômeno da internet, quanto tempo vai durar. Boa sorte, Clarice!

Cobertura – Coquetel Molotov 2013 – Primeiro dia

Por Hugo Montarroyos em 19 de outubro de 2013

A maior prova da consolidação do Coquetel Molotov como um dos principais festivais de música do país podia ser aferido pelo perfil do público de sua primeira noite. Além dos já habituais frequentadores, gente que circula em todo evento musical do Recife, havia um público muito novo, que provavelmente estava no festival pela primeira vez. E, como descobriu-se depois, uma molecada que era fã de Cícero, carioca que acabou fazendo o show mais concorrido e surpreendentemente bem recebido da noite.

Outra parcela considerável tinha ido para ver Juvenil Silva, novo talento (apesar de já rodado na cena pernambucana) local que lançou este ano o ótimo “Desapego”. Também estavam por lá os mais maduros, gente que queria aproveitar cada segundo do show do paulistano Hurtmold, única banda a se apresentar por duas vezes na história do Coquetel – a primeira foi em 2005. E, sim, os fãs de Rodrigo Amarante. Afinal, se tem uma banda que continua sendo gigante em Pernambuco, ela atende pelo nome de Los Hermanos. E Amarante, assim como Marcelo Camelo, é tratado e recebido como herói na capital pernambucana. O ponto é: assim como o show solo de Camelo, o de Amarante também é insuportavelmente chato. Aliás, fazia muito tempo que eu não via um show tão tedioso e sonololento como o de Rodrigo Amarante.

No mais, a estrutura estava quase perfeita. Os stands de lojinhas de roupa, artesanato e discos continuavam lá. Assim como espaços para dançar, para aqueles que preferiam curtir ao som de um DJ em vez de entrar no Teatro da UFPE para ver os principais shows. E, principalmente, o Espaço da Sala UFPE, que sempre traz bons shows gratuitos antes do prato principal. Mas, infelizmente, conseguimos perder todos. Problemas técnicos de logística (nossos) e o cada vez mais caótico trânsito recifense nos fizeram chegar já no final do último show, o da banda francesa Team Ghost. Ficam aqui nossas desculpas aos demais artistas que se apresentaram mais cedo: Mauricio Fleury (SP), Claudio N. (PE) e Rafael Castro (SP).

Já no palco principal, vimos quatro apresentações absolutamente distintas entre si. E que pareceram atrair perfis bem variados em cada um dos shows. O único senão de toda a estrutura do festival (e que parece ser um problema antigo, pois o enfrentei em outro evento no mesmo local) é o ar-condicionado do Teatro da UFPE, que é insuficiente dependendo da posição em que você se encontre. No mais, o som funcionou direitinho e a luz foi um show à parte.

Juvenil Silva conseguiu atrair bastante gente, e já no primeiro show foi possível detectar um fenômeno interessante do público pernambucano: ele prefere ver o show em pé, na frente do palco, pulando e dançando, em vez de aproveitar o conforto do teatro. Nada demais, pois fiz o mesmo em edições passadas, em shows do Teenage Fanclub e Dinosaur Jr. E, para quem, como eu, acompanha o trabalho de Juvenil desde os tempos de Canivetes, é bem bacana testemunhar o merecido reconhecimento que ele vem obtendo desde o lançamento de “Desapego”. Ao vivo, o disco também funciona muito bem. A banda é muito segura e competente no palco, e Juvenil Silva demonstra uma segurança (coisa que faltou ao Cícero, por exemplo) digna de veterano. Seu som é uma mistura de tropicalismo com rock n’ roll puro. Ao ser confrontado com o indefectível (e já chato e batido) grito de “TOCA RAUL”, Juvenil respondeu: “ele está aqui, cara. Os acordes são os mesmos!”. Com letras inspiradas e arranjos idem, Juvenil teve o público o tempo inteiro nas mãos. Este show talvez seja o divisor de águas da carreira de Juvenil, que até revisitou seu passado mod tocando material do Canivetes, seu antigo grupo. Mas o horizonte que se abre para ele é infinitamente mais largo. É esperar para ver.

Surpreendente mesmo foi a reação do público ao show de Cícero. Ali ficou claro que a grande maioria tinha ido ao Coquetel para vê-lo. O efeito karaokê foi tão grande que por verzes mal se ouvia a voz de Cícero. Todas as letras eram cantadas com uma paixão reverente pelo púiblico, coisa que lembrou, e muito, as apresentações do Los Hermanos no Recife. Parecia que uma geração inteira descobria ali o seu los hermanos. Artisticamente, embora competente, Cícero não apresenta grandes novidades. Todas as canções aparentam um quê de Radiohead requentado, com a diferença de tudo soar muito econômico, redondo, na medida certa para cativar, aparando toda e qualquer aresta que poderia tonrar o som mais hermético (e, por isso mesmo, mais interessante). Não é o caso de Cícero. Embora não faça um pop tão digerível ao ponto de soar radiofônico, também faz questão de ser o mais acessível possível. Apesar de estar com o público literalmente jogando a favor, Cícero demonstrava estar extremamente inseguro: “Eu estou nervoso…é muita gente!”, dizia. Com dois álbuns lançados, “Canções de Apartamento” e “Sábado”, Cícero, pelo menos no Recife, já é uma realidade. O melhor retrato disso foi a multidão que correu atrás dele no final do show. Sem falar na fila de fãs que se formou no backstage para tentar um momento que fosse de assédio. Cícero me parece ser o caso típico de “o problema deve estar comigo”. Ou estou velho e cínico demais para me empolgar tão facilmente assim com uma apresentação apenas normal; ou o cara é o novo gênio da música pop que só eu ainda não percebi; ou a indústria musical anda tão carente de algo com um mínimo de qualidade que qualquer coisa que tenha um pouquinho mais de conteúdo seja encarado como nova salvação da pátria. Acho que é por aí. Mas, que o assédio foi de impressionar, foi!

Já o Hurtmold tem uma proposta completamente diferente da de Cícero. E fez, como sempre, um show hipnotizante. E vale ressaltar que a banda tocou para outro tipo de público, pois o de Cícero havia se retirado para ir atrás do rapaz. Liderados pelo baterista Maurício Takara e donos de obras magistrais como “Cozido” e “Mestro”, o Hurtmold não se incomodou nem um pouco em só tocar material do novo trabalho, o recém-lançado “Mils Crianças”. A banda é perfeita para festivais como o Coquetel Molotov. É um privilégio ver um show deles num teatro, saborear cada detalhe de sua intricada música, cada batida, cada detalhe percussivo, cada acorde dissonante, músicas que parecem construídas e demolidas ali, na hora, como se estivessem compondo naquele momento. Não à toa, o público que costuma acompanhá-los é formado por gente mais velha e que, muitas vezes, trabalha com música. Este show do Hurmold foi igualzinho a todos os outros que fizeram na cidade: mágico.

E, enfim, veio Rodrigo Amarante, lançando seu aguardado primeiro disco solo, “Cavalo”. E, ok, havia muita gente empolgada. Os fãs dos Los Hermanos estavam ali, dispostos a gritar à plenos pulmões. Mas Amarante parece ter embarcado numa viagem tão pessoal que ficou enfadonho, chato, tedioso, torturante até. No show, Rodrigo Amarante consegue ser chato em português, em inglês e em francês. Consegue ser muito chato no violão, terrivelmente chato no piano, e um pouco menos chato na guitarra. É chato sozinho e acompanhado. O que me espanta é o público cair na dele. “Ah Recife!”, repetia vezes sem fim. E, durante todo o show, eu só pensava em duas coisas: a) me manter acordado e b) torcer desesperadamente para ele tocar algo do Los Hermanos. E nem fã da banda eu sou. Mas Amarante entrou numa de querer ser reconhecido por sua “genialidade”, seu suposto talento de ser um artista pop mesmo fazendo um disco inaudível. A única palavra que me surge no momento é: pretensioso. Justiça seja feita, a maior parte do público estava na frente do palco, suspirando e berrando as letras que conhecia. A outra parte dormiu. Literalmente. Bancando o Freud agora, tudo que Amarante e Camelo fazem hoje soa como uma vontadade cada vez mais profunda e desesperada de renegar “Anna Julia.” E parece que conseguiram. E da pior forma possível. Quer saber de uma coisa? Se for para ser assim: VOLTA, LOS HERMANOS!

p.s. Ainda teve invasão do público no palco no show de Amarante. Mas essa parte (que deve ter sido a melhor) confesso que não vi.

Resenha – Bruno Souto – Estado de Nuvem

Por Hugo Montarroyos em 17 de outubro de 2013

Bruno Souto

 

Se pensar bem, até que demorou para Bruno Souto lançar seu primeiro trabalho solo. Após a boa reputação merecidamente conquistada ao longo de dez anos e três discos à frente do Volver, Bruno deixa um pouco de lado a alegria irônica de sua banda para compor um álbum praticamente monotemático. Porque este “Estado de Nuvem” é, antes de tudo, um disco que fala de amor. Que teria tudo para soar extremamente brega. Mas que, nas mãos de Bruno, é como se Odair José ganhasse uma roupagem moderna, antenada, sonoramente prolixa e musicalmente impecável. É possível dizer que Bruno deu um passo à frente de sua banda. Mas são os detalhes tão pequenos dos dois brunos que acabam ficando mais evidentes e encorpados nessa sua nova caminhada. Um bom exemplo é a participação de Guizado em “Cansaço”, que torna a canção um quase reggae. Ou o clima praiano de “Eu e Verão”. É difícil imaginar uma delas no repertório do Volver.

Já “Se Você Quiser” traz um quê de melancolia que já era possível encontrar em outras composições dele, mas que aflora de forma praticamente inédita de tão desnudada como apresentada aqui. “Me deixa ter a chave para que eu possa abrir teu coração para refazer a casa inteira”, implora um Bruno que parece calejado pelas mágoas da vida e disposto a fazer uma faxina emocional em sua obra. Bruno consegue algo muito difícil: ao mesmo tempo em que todo o disco tem um clima de rádio AM, tudo é feito com tamanha inteligência e capricho que, em tempos de crise criativa da indústria musical mainstream, chega a soar o cúmulo do absurdo o fato de uma canção como “Avesso” não ser parte de trilha sonora de novela da Globo. O teclado e o refrão de tal música são exemplos típicos do pop do mais alto quilate, de gente como Lulu Santos e Roberto Carlos quando acerta no alvo: “E me derrama mais que o teu avesso/ Na tua correnteza a me afogar /E sinto novamente o mesmo medo/De não poder sequer chorar”.

O Volver já é consolidado há um bom tempo pela crítica como uma das bandas idependentes mais importantes de sua geração. Chega a vez, agora, de Bruno ser reconhecido como um compositor do primeiro time da música brasileira. De “Você que Pediu”, primeiro hit do Volver, até este “Estado de Nuvem”, o que vemos é uma evolução que pode soar dolorosa, sofrida, rasgada. Algo que só é conquistado quando se apanha muito. Bruno conseguiu transformar tudo que viu e viveu nesses anos em matéria-prima para este disco. Impossível achar que o álbum traz uma linha sequer que seja impessoal. Trata-se de um trabalho que exala coragem em todos os poros. De quem, há muito, descobriu seu papel na vida. E o de Bruno Souto, em pleno estado de nuvem, é ser artista. Cabe ao ouvinte ter o bom senso de apreciar sem moderação.

 

Cotação – Ótimo

 

Tapa na Orelha – A décima dose de Coquetel Molotov

Por Hugo Montarroyos em 12 de setembro de 2013

Teenage Fanclub em sua primeira turnê brasileira, em 2004

Teenage Fanclub em sua primeira turnê brasileira, em 2004

 

Foi na noite do primeiro dia de maio de 2004. O Parafusa, uma das bandas pernambucanas em ascensão na época, começou a contar o primeiro capítulo dos dez anos de história do Festival “No Ar: Coquetel Molotov”. No epílogo, ninguém menos que o Teenage Fanclub, minha banda preferida de todos os tempos e praticamente um desconhecido por aqui. Na época, produzi o texto mais “cafonamente” sincero da minha vida. Para mim, era inacreditável que Recife fosse o primeiro solo brasileiro a ser pisado pelo Teenage Fanclub. Outras dúvidas me perseguiriam desde então.

Será que um festival de rock realizado dentro de um teatro pegaria aqui no Recife? Um evento que primava por trazer grande número de bandas desconhecidas em sua programação conseguiria atrair público? Para minha grata surpresa, o festival cresceu ano a ano. E conquistou um público fiel. E criou a agradável cultura de ver bons shows de rock no conforto de um teatro.

Em 2005, quando lançamos a revista do RecifeRock!, fiz uma pequena entrevista com Jarmeson de Lima, um dos produtores do festival. Na época, ele explicava qual era a proposta do evento: “Queremos dar ao público de Recife a chance de conhecer bandas que gostamos e que são pouco conhecidas por aqui”. Bingo!

O festival ganhou um espaço gratuito (a sala Cine PE) para a apresentação das revelações locais, uma espécie de evento dentro do evento. No palco principal, as bandas pernambucanas mais importantes daquela geração ajudaram a consolidar o Coquetel Molotov como mais uma grande vitrine de Pernambuco, junto com o Abril pro Rock e Rec-Beat. Tocaram por lá Parafusa, Mellotrons, Rádio de Outono, Volver, Vamoz! e tantas outras que definiram o som de Recife naquele período.

Em dois anos, o No Ar: Coquetel Molotov virou grande. Conseguiu formar público e atrair imprensa especializada de todo o país e até de fora dele. Cresceu tanto que ganhou ramificações, com atividades paralelas que aconteciam durante todo o mês em que o festival era realizado: Mostra de filmes, shows gratuitos no Teatro Apolo e no Pátio de São Pedro, debates e oficinas serviam de aquecimento para as noites principais.

Em 2009 já era tão grande que precisou ser realizado no Teatro do Centro de Convenções de Pernambuco, bem maior que o Teatro da UFPE. Naquele ano, Milton Nascimento e Beirut esgotaram os ingressos para as duas noites de shows.

Tortoise, Dinosaur Jr, Mallu Magalhães e Marcelo Camelo (que começaram ali, no palco, na frente de todo mundo, a dar sinais de que sua parceria caminharia para além das composições musicais), Lobão, Racionais Mc’s. Tudo isso permeado por um monte de bandas suecas (e francesas) que ninguém, além dos produtores do Coquetel Molotov, conhecia. Estava consagrada, assim, a fórmula de uma história de sucesso que já dura dez edições.

Que começou com amigos de faculdade que criaram um programa de rádio para tocar as bandas que gostavam. E, num segundo passo, trazer essas mesmas bandas para se apresentar no Recife. Algo ousado. Que, na época, soava tão estranho (você, mais novo, não imagina como era o Recife no início da década passada) que parecia impossível de dar certo.

Costumo dizer que é preciso ser muito corajoso para ser produtor cultural no Recife, cidade tão afeita aos modismos e extremamente bipolar em relação aos shows: ou a oferta é grande demais ou eles desaparecem do mapa, dependendo da época. Imagine, então, a coragem necessária para criar algo com o perfil do “No Ar: Coquetel Molotov”.

Para mim, por motivos mais do que pessoais, um festival que começou sua trajetória trazendo o Teenage Fanclub não poderia dar errado.

Este ano nos encontraremos novamente no Teatro da UFPE, nos dias 18 e 19 de outubro, com os já confirmados Rodrigo Amarante, Meta Metá (SP) e Karol Conká (PR). Junto com um punhado de gente que eu provavelmente nunca ouvi falar. Afinal, estamos falando do Coquetel Molotov. Que, sempre devo lembrar, começou com minha banda preferida. E que era praticamente desconhecida por aqui…

 

 

 

 

 

 

Resenha: Rodrigo Morcego – Café Preto/Jornal Velho

Por Hugo Montarroyos em 10 de setembro de 2013

Morcego

 

Não há novidade alguma em dizer que Rodrigo Morcego é um dos músicos pernambucanos mais tarimbados e experientes de sua geração. O que espanta, de fato, é a brutal evolução entre o El Mocambo (sua banda anterior) e este seu atual “Café Preto/ Jornal Velho”. Tudo que parecia forçado e um tanto pasteurizado no El Mocambo é convertido na mais pura sinceridade “blueseira” neste novo trabalho.

O álbum, produzido pelo onipresente Iuri Frieberger, transpira alma em cada poro do disco. E as letras, sempre um problema para quem ousa cantar blues em português, são muito bem trabalhadas. A banda, formada por Morcego (guitarra, violão e voz), Gilson Biu Jr (baixo) e Jô Pinto, mostra uma intimidade com o gênero digna de quem passou a infância colhendo algodão nos cafundós dos Estados Unidos. O que, óbvio, não é o caso deles.

Mas sua música passa tanta verdade que, não fosse o idioma, poderia perfeitamente ser vendida como autêntico produto americano – e dos bons!

Entre os muitos destaques, estão “Irmãos Blues”, que abre o álbum, “Ladjane” e “Hey Mama”.

A arte gráfica imita as páginas de um jornal, em que os títulos são formados por manchetes, subtítulos resumem o fato e as letras aparecem em forma de notícia. Até poesia Morcego conseguiu fazer, caso de “Caçava os sonhos antes de dormir / Os olhos fechados com receio de acordar / Após a ceia catava as lembranças / Ao fim do dia canções de ninar. Mímica e sinais estranhos / Dança que pode esquecer / Ouve o brilho do sorriso medonho / Nos meios caminhos do verbo amar”.

“Café Preto/Jornal Velho” é um primor de produção, de execução e de talento. Como diz Rodrigo Morcego – que canta muito bem em todo o disco – em “Carrego do Satanás (uma ode ao velho tema do bluesman que vende a alma ao capeta), “Se você quer ouvir rock n’ roll / Vou tocar um blues e te mostrar quem sou”. Muito prazer, meu velho! Seu jornal pode ser velho, mas seu café é encorpado e preto como os melhores blues.

Cotação – Ótimo